CASO CLÍNICO
Mieloma múltiplo com plasmocitomas
cutâneos*
RESUMO
O
mieloma múltiplo é neoplasia de células plasmáticas que infiltram a medula
óssea; as lesões cutâneas no mieloma múltiplo são raras, inespecíficas ou
específicas, sendo estas últimas primárias ou secundárias. Lesões específicas
secundárias de pele em pacientes com mieloma ocorrem por extensão direta para a
pele, a partir de lesões ósseas subjacentes, ou como plasmocitomas
extramedulares metastáticos. Os autores relatam caso de paciente de 59 anos,
que apresentou diagnóstico de mieloma múltiplo e, após sete meses de evolução, desenvolveu
plasmocitomas cutâneos, caracterizados por nódulos eritêmato-violáceos nas
extremidades.
INTRODUÇÃO
O
mieloma múltiplo caracteriza-se pela proliferação neoplásica de plasmócitos na
medula óssea; como conseqüência, ocorre destruição óssea, insuficiência da
medula óssea e produção de proteína monoclonal.1
Os
critérios para o diagnóstico de mieloma múltiplo consistem em biópsia de medula
óssea com plasmócitos acima de 10% ou um plasmocitoma e, no mínimo, um dos
seguintes achados: 1) proteína monoclonal no soro; 2) proteína monoclonal na
urina; 3) lesões ósseas líticas.1
O
padrão eletroforético de proteínas séricas mostra um pico monoclonal em 80% dos
casos; IgG é encontrada em 50%; IgA, em 20%; cadeias leves (proteína de Bence
Jones), em 17%; IgD, em 2%; gamopatia biclonal, em 1%; e 10% não secretam
proteínas (não secretores).1
O
comprometimento cutâneo associado ao mieloma múltiplo ocorre em percentual que
varia de cinco a 10% dos casos, sendo as lesões classificadas em inespecíficas
e específicas2
As
lesões de pele inespecíficas incluem amiloidose, púrpura, alopecia, dermatite
pruriginosa ictiosiforme, fenômeno de Raynaud, urticária ao frio, pioderma
gangrenoso, xantomas planos, anidrose, lesões esclerodermiformes, dermatose
pustulosa subcórnea, líquen mixedematoso e xantogranuloma necrobiótico.2,3
As
lesões cutâneas específicas relacionadas ao mieloma múltiplo são os
plasmocitomas secundários, que podem ocorrer por extensão direta para a pele, a
partir de lesões ósseas subjacentes, ou por disseminação hematogênica (a
distância do tumor ósseo); as lesões do primeiro tipo são mais comuns, sendo
muitas vezes amolecidas à palpação e normocrômicas. As últimas são
representadas por nódulos subcutâneos ou intradérmicos violáceos, de
consistência endurecida, que ocorrem tardiamente no curso da doença. Essas
lesões constituem sinal de mau prognóstico, com a evolução para o óbito em até
12 meses após seu diagnóstico.3
Os
plasmocitomas cutâneos podem surgir em pacientes sem evidência de mieloma
múltiplo, sendo então denominados plasmocitomas cutâneos primários. Esses
tumores são raros, correspondendo à variação de três a 12% dos casos de
plasmocitomas extramedulares; têm prognóstico variável, podendo ou não ocorrer
disseminação da doença.4
Foi
observado o caso de paciente com diagnóstico de mieloma múltiplo, o qual, após
sete meses de evolução, apresentou plasmocitomas cutâneos. Em função da
pesquisa bibliográfica nacional dos últimos 20 anos ter revelado apenas uma
referência sobre plasmocitomas cutâneos associados a mieloma múltiplo, os
autores resolveram relatá-lo.
RELATO DO CASO
Doente
do sexo masculino, com 59 anos, branco, natural e procedente de São Paulo.
Procurou o serviço de ortopedia em outubro/98 com queixa de dor no braço
esquerdo há um ano. Ao exame físico, apresentava tumoração de aproximadamente
10cm de diâmetro, dolorosa à palpação, localizada na face lateral do referido
membro. Foi realizado exame radiológico, o qual evidenciou área de reabsorção
óssea no terço proximal do úmero, com a hipótese de fratura patológica de úmero
esquerdo (Figura 1). O exame histopatológico revelou tecido ósseo em parte
substituído por neoplasia imatura caracterizada por densa proliferação de
células com citoplasma amplo e núcleo excêntrico, característicos de
plasmócitos atípicos, condensados de modo irregular, compatível com o
diagnóstico de plasmocitoma.
O
mielograma evidenciou a presença de 79% de plasmócitos, sugerindo mieloma. A
dosagem de imunoglobulinas séricas evidenciou aumento de imunoglobulina A
(538mg/dL), compatível com mieloma múltiplo por IgA. Após estadiamento clínico,
concluiu-se tratar de mieloma múltiplo estadio IIIA, e foi iniciada
quimioterapia com prednisona e melphalan. Após dois meses de tratamento o
paciente apresentou lesão osteolítica no fêmur direito, sugestiva de
plasmocitoma, não confirmada por exame histopatológico.
Após
sete meses surgiram nódulos e placas eritêmato-violáceos na coxa direita e
antebraço esquerdo, cujo maior diâmetro variava de três a 7cm, de limites
precisos e consistência endurecida. O exame histopatológico do nódulo
localizado na coxa direita evidenciou infiltração difusa da derme por neoplasia
imatura, compatível com plasmocitoma .
O
paciente evoluiu para óbito 40 dias após o diagnóstico das lesões cutâneas, em
conseqüência de broncopneumonia extensa e septicemia.
DISCUSSÃO
Os
plasmocitomas cutâneos podem ocorrer na pele primariamente, sem comprometimento
da medula óssea (plasmocitoma cutâneo primário), ou, mais freqüentemente, como
resultado da disseminação do mieloma múltiplo ou da leucemia de células
plasmáticas (plasmocitoma cutâneo secundário).5
Freqüentemente,
os plasmocitomas secundários se desenvolvem por contigüidade a partir de lesões
ósseas adjacentes; as lesões metastáticas a distância são incomuns. No caso
apresentado, as lesões cutâneas encontravam-se próximas às áreas de fratura
óssea (plasmocitomas ósseos do úmero esquerdo e coxa direita), o que
provavelmente indica infiltração da pele por contigüidade.
O
plasmocitoma cutâneo secundário normalmente representa a disseminação do
mieloma múltiplo em estádio final, provavelmente em decorrência de alteração
das moléculas de adesão.7 Alberts e Linch valorizam o tamanho da massa tumoral
total inicial como fator importante para a disseminação cutânea da doença,
sendo pior o prognóstico nos casos em que ela apresenta mais de 2kg.8,9
Na
evolução do mieloma múltiplo, as lesões neoplásicas restringem-se,
inicialmente, ao osso e medula óssea, com comprometimento extramedular tardio;
esse comportamento reflete a história natural das neoplasias de células B, com
envolvimento preliminar dos linfonodos e da medula óssea e posterior
disseminação para outros órgãos e pele.8
As
lesões são representadas por nódulos cutâneos ou subcutâneos, de diâmetro
variável entre um e 5cm; em relação à cor, podem ser eritêmato-violáceas (mais
freqüentemente) ou normocrômicas; sua superfície é lisa e saliente; são mais
comuns no tronco, extremidades e face, e geralmente múltiplas.10 No paciente em
questão foram observadas três lesões nodulares eritêmato-violáceas, sem
ulceração, sendo uma na coxa direita e duas no antebraço esquerdo.
As
células plasmáticas no plasmocitoma (primário e secundário) sintetizam
quantidades diferentes de cadeia leve kappa citoplasmática monotípica, a qual
pode ser identificada por estudo imuno-histoquímico do tecido; a monoclonalidade
é uma característica encontrada geralmente nos plasmocitomas neoplásicos, com
predomínio da cadeia kappa em relação à cadeia lambda maior do que 10:1,
conforme estudo realizado por Torne e cols.11 Esse tipo de estudo torna-se
particularmente útil para o diagnóstico do mieloma múltiplo nos casos em que as
lesões cutâneas constituem a primeira manifestação da doença, antes do
surgimento de proteínas séricas anormais.6 Considerando-se que o mieloma
múltiplo do paciente já tinha sido diagnosticado na ocasião do surgimento dos
nódulos cutâneos, o estudo imuno-histoquímico de pele não foi necessário.
O
envolvimento cutâneo no mieloma múltiplo tem sido reconhecido em associação com
as seguintes proteínas: IgG, IgM, IgA e IgD; cadeias pesadas; cadeias leves
kappa e lambda (isoladamente ou em associação com uma classe de
imunoglobulina).6,12
As
evidências sugerem que qualquer classe de proteína do mieloma é capaz de
produzir disseminação cutânea e que IgG é provavelmente a mais comum,
considerando-se que é a imunoglobulina mais freqüente entre os mielomas em
geral. Entretanto, alguns autores notaram maior predominância de IgA nos casos
com infiltração cutânea, como ocorreu no paciente aqui apresentado. Outros
autores mencionaram o comportamento agressivo do mieloma por IgD, que, apesar
de raro, apresenta maior envolvimento extra-ósseo, o cutâneo incluído.6,10,13
O
plasmocitoma cutâneo secundário constitui sinal de mau prognóstico do mieloma
múltiplo, com 50% dos pacientes evoluindo para o óbito em até seis meses a
partir de seu diagnóstico.10,14 Na autópsia, a maioria dos pacientes apresenta
infiltração plasmocitária de vários órgãos.15
O
paciente aqui discutido apresentou plasmocitomas cutâneos sete meses após o
diagnóstico de mieloma múltiplo secretor de IgA e evoluiu para óbito apenas um
mês após o diagnóstico das lesões cutâneas, corroborando o conceito de que a
infiltração cutânea nos casos de mieloma múltiplo dita um mau prognóstico ao
doente.
REFERÊNCIAS
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*
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Por:
Daniella Abbruzzini Ferreira de SouzaI; Thais Helena Proença de FreitasII;
Roberto Antonio Pinto PaesIII; Helena MüllerIV; Vânia T. M. Hungria
IMédica
do Curso de Aperfeiçoamento do Serviço de Dermatologia do Departamento de
Clínica Médica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
IIMédica
Assistente do Serviço de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
IIIMédico
Assistente do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo
IVMédica
Chefe de Clínica Adjunto do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo
VMédica
Assistente do Serviço de Hematologia do Departamento de Clínica Médica do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Para fazer qualquer diagnostico, o paciente primeiro tem que ter uma consulta de dermatologia em são paulo, e se tem algum melanoma, trata-lo com algum profissional.
ResponderExcluirCom toda certeza, Mariana. Publicamos os estudos , com acreditação e endosso sérios.Nosso intento oferecer estas informações- confiáveis, para que sempre se procure um Especialista , seja em que Estado do Brasil se encontre.
ResponderExcluirObrigado.