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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Abordagem Dermatológica do Mieloma Múltiplo-


 CASO CLÍNICO

Mieloma múltiplo com plasmocitomas cutâneos*



RESUMO

O mieloma múltiplo é neoplasia de células plasmáticas que infiltram a medula óssea; as lesões cutâneas no mieloma múltiplo são raras, inespecíficas ou específicas, sendo estas últimas primárias ou secundárias. Lesões específicas secundárias de pele em pacientes com mieloma ocorrem por extensão direta para a pele, a partir de lesões ósseas subjacentes, ou como plasmocitomas extramedulares metastáticos. Os autores relatam caso de paciente de 59 anos, que apresentou diagnóstico de mieloma múltiplo e, após sete meses de evolução, desenvolveu plasmocitomas cutâneos, caracterizados por nódulos eritêmato-violáceos nas extremidades.



INTRODUÇÃO

O mieloma múltiplo caracteriza-se pela proliferação neoplásica de plasmócitos na medula óssea; como conseqüência, ocorre destruição óssea, insuficiência da medula óssea e produção de proteína monoclonal.1

Os critérios para o diagnóstico de mieloma múltiplo consistem em biópsia de medula óssea com plasmócitos acima de 10% ou um plasmocitoma e, no mínimo, um dos seguintes achados: 1) proteína monoclonal no soro; 2) proteína monoclonal na urina; 3) lesões ósseas líticas.1

O padrão eletroforético de proteínas séricas mostra um pico monoclonal em 80% dos casos; IgG é encontrada em 50%; IgA, em 20%; cadeias leves (proteína de Bence Jones), em 17%; IgD, em 2%; gamopatia biclonal, em 1%; e 10% não secretam proteínas (não secretores).1

O comprometimento cutâneo associado ao mieloma múltiplo ocorre em percentual que varia de cinco a 10% dos casos, sendo as lesões classificadas em inespecíficas e específicas2

As lesões de pele inespecíficas incluem amiloidose, púrpura, alopecia, dermatite pruriginosa ictiosiforme, fenômeno de Raynaud, urticária ao frio, pioderma gangrenoso, xantomas planos, anidrose, lesões esclerodermiformes, dermatose pustulosa subcórnea, líquen mixedematoso e xantogranuloma necrobiótico.2,3

As lesões cutâneas específicas relacionadas ao mieloma múltiplo são os plasmocitomas secundários, que podem ocorrer por extensão direta para a pele, a partir de lesões ósseas subjacentes, ou por disseminação hematogênica (a distância do tumor ósseo); as lesões do primeiro tipo são mais comuns, sendo muitas vezes amolecidas à palpação e normocrômicas. As últimas são representadas por nódulos subcutâneos ou intradérmicos violáceos, de consistência endurecida, que ocorrem tardiamente no curso da doença. Essas lesões constituem sinal de mau prognóstico, com a evolução para o óbito em até 12 meses após seu diagnóstico.3

Os plasmocitomas cutâneos podem surgir em pacientes sem evidência de mieloma múltiplo, sendo então denominados plasmocitomas cutâneos primários. Esses tumores são raros, correspondendo à variação de três a 12% dos casos de plasmocitomas extramedulares; têm prognóstico variável, podendo ou não ocorrer disseminação da doença.4

Foi observado o caso de paciente com diagnóstico de mieloma múltiplo, o qual, após sete meses de evolução, apresentou plasmocitomas cutâneos. Em função da pesquisa bibliográfica nacional dos últimos 20 anos ter revelado apenas uma referência sobre plasmocitomas cutâneos associados a mieloma múltiplo, os autores resolveram relatá-lo.



RELATO DO CASO

Doente do sexo masculino, com 59 anos, branco, natural e procedente de São Paulo. Procurou o serviço de ortopedia em outubro/98 com queixa de dor no braço esquerdo há um ano. Ao exame físico, apresentava tumoração de aproximadamente 10cm de diâmetro, dolorosa à palpação, localizada na face lateral do referido membro. Foi realizado exame radiológico, o qual evidenciou área de reabsorção óssea no terço proximal do úmero, com a hipótese de fratura patológica de úmero esquerdo (Figura 1). O exame histopatológico revelou tecido ósseo em parte substituído por neoplasia imatura caracterizada por densa proliferação de células com citoplasma amplo e núcleo excêntrico, característicos de plasmócitos atípicos, condensados de modo irregular, compatível com o diagnóstico de plasmocitoma.




O mielograma evidenciou a presença de 79% de plasmócitos, sugerindo mieloma. A dosagem de imunoglobulinas séricas evidenciou aumento de imunoglobulina A (538mg/dL), compatível com mieloma múltiplo por IgA. Após estadiamento clínico, concluiu-se tratar de mieloma múltiplo estadio IIIA, e foi iniciada quimioterapia com prednisona e melphalan. Após dois meses de tratamento o paciente apresentou lesão osteolítica no fêmur direito, sugestiva de plasmocitoma, não confirmada por exame histopatológico.

Após sete meses surgiram nódulos e placas eritêmato-violáceos na coxa direita e antebraço esquerdo, cujo maior diâmetro variava de três a 7cm, de limites precisos e consistência endurecida. O exame histopatológico do nódulo localizado na coxa direita evidenciou infiltração difusa da derme por neoplasia imatura, compatível com plasmocitoma .

O paciente evoluiu para óbito 40 dias após o diagnóstico das lesões cutâneas, em conseqüência de broncopneumonia extensa e septicemia.



DISCUSSÃO

Os plasmocitomas cutâneos podem ocorrer na pele primariamente, sem comprometimento da medula óssea (plasmocitoma cutâneo primário), ou, mais freqüentemente, como resultado da disseminação do mieloma múltiplo ou da leucemia de células plasmáticas (plasmocitoma cutâneo secundário).5

Freqüentemente, os plasmocitomas secundários se desenvolvem por contigüidade a partir de lesões ósseas adjacentes; as lesões metastáticas a distância são incomuns. No caso apresentado, as lesões cutâneas encontravam-se próximas às áreas de fratura óssea (plasmocitomas ósseos do úmero esquerdo e coxa direita), o que provavelmente indica infiltração da pele por contigüidade.

O plasmocitoma cutâneo secundário normalmente representa a disseminação do mieloma múltiplo em estádio final, provavelmente em decorrência de alteração das moléculas de adesão.7 Alberts e Linch valorizam o tamanho da massa tumoral total inicial como fator importante para a disseminação cutânea da doença, sendo pior o prognóstico nos casos em que ela apresenta mais de 2kg.8,9

Na evolução do mieloma múltiplo, as lesões neoplásicas restringem-se, inicialmente, ao osso e medula óssea, com comprometimento extramedular tardio; esse comportamento reflete a história natural das neoplasias de células B, com envolvimento preliminar dos linfonodos e da medula óssea e posterior disseminação para outros órgãos e pele.8

As lesões são representadas por nódulos cutâneos ou subcutâneos, de diâmetro variável entre um e 5cm; em relação à cor, podem ser eritêmato-violáceas (mais freqüentemente) ou normocrômicas; sua superfície é lisa e saliente; são mais comuns no tronco, extremidades e face, e geralmente múltiplas.10 No paciente em questão foram observadas três lesões nodulares eritêmato-violáceas, sem ulceração, sendo uma na coxa direita e duas no antebraço esquerdo.

As células plasmáticas no plasmocitoma (primário e secundário) sintetizam quantidades diferentes de cadeia leve kappa citoplasmática monotípica, a qual pode ser identificada por estudo imuno-histoquímico do tecido; a monoclonalidade é uma característica encontrada geralmente nos plasmocitomas neoplásicos, com predomínio da cadeia kappa em relação à cadeia lambda maior do que 10:1, conforme estudo realizado por Torne e cols.11 Esse tipo de estudo torna-se particularmente útil para o diagnóstico do mieloma múltiplo nos casos em que as lesões cutâneas constituem a primeira manifestação da doença, antes do surgimento de proteínas séricas anormais.6 Considerando-se que o mieloma múltiplo do paciente já tinha sido diagnosticado na ocasião do surgimento dos nódulos cutâneos, o estudo imuno-histoquímico de pele não foi necessário.

O envolvimento cutâneo no mieloma múltiplo tem sido reconhecido em associação com as seguintes proteínas: IgG, IgM, IgA e IgD; cadeias pesadas; cadeias leves kappa e lambda (isoladamente ou em associação com uma classe de imunoglobulina).6,12

As evidências sugerem que qualquer classe de proteína do mieloma é capaz de produzir disseminação cutânea e que IgG é provavelmente a mais comum, considerando-se que é a imunoglobulina mais freqüente entre os mielomas em geral. Entretanto, alguns autores notaram maior predominância de IgA nos casos com infiltração cutânea, como ocorreu no paciente aqui apresentado. Outros autores mencionaram o comportamento agressivo do mieloma por IgD, que, apesar de raro, apresenta maior envolvimento extra-ósseo, o cutâneo incluído.6,10,13

O plasmocitoma cutâneo secundário constitui sinal de mau prognóstico do mieloma múltiplo, com 50% dos pacientes evoluindo para o óbito em até seis meses a partir de seu diagnóstico.10,14 Na autópsia, a maioria dos pacientes apresenta infiltração plasmocitária de vários órgãos.15

O paciente aqui discutido apresentou plasmocitomas cutâneos sete meses após o diagnóstico de mieloma múltiplo secretor de IgA e evoluiu para óbito apenas um mês após o diagnóstico das lesões cutâneas, corroborando o conceito de que a infiltração cutânea nos casos de mieloma múltiplo dita um mau prognóstico ao doente.



REFERÊNCIAS

1. Salmon SE. Doenças plasmocitárias. In:Wyngaarden JB, Smith LH. CECIL. Tratado de Medicina Interna. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan; 1990. p. 903-9.         [ Links ]

2. Leucemias, linfomas e pseudolinfomas. Em: Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. São Paulo: Editora Artes Médicas; 1999. p. 908.         [ Links ]

3. Garcia MV, Cabrera HN, Gómez ML, Garcia S, Alonso GF. Mieloma a IgD con plasmocitomas cutáneos. Arch Argent Dermat. 1989;2:105-111.         [ Links ]

4. Belinchòn I, Ramos JM, Onrubia J, Mayol MJ. Primary cutaneous plasmocytoma in a patient with chronic lymphatic leukemia. J Am Acad Dermatol. 1996; 35: 777-8.         [ Links ]

5. Tüting T, Bork K. Primary plasmacytoma of the skin. J Am Acad Dermatol. 1996; 34:386-90.         [ Links ]

6. Patterson JW, Parsons JM, White RM, Fitzpatrick JE, Kohout-Dutz E. Cutaneous involvement of multiple myeloma and extramedullary plasmacytoma. J Am Acad Dermatol. 1988; 19: 879-90.         [ Links ]

7. Teoh G, Anderson KC. Interaction of tumor and host cells with adhesion and extracellular matrix molecules in the development of multiple myeloma. Hematol Oncol Clin North Am. 1997; 11: 27-42.         [ Links ]

8. Alberts DS, Lynch P. Cutaneous plasmacytoma in myeloma: relationship to tumor cell burden. Arch Dermatol. 1978; 114: 1784-7.        [ Links ]

9. Chang YT, Wong CK. Primary cutaneous plasmocytomas. Clin Exp Dermatol. 1994; 19: 177-80.         [ Links ]

10. Kois JM, Sexton FM, Lookingbill DP. Cutaneous manifestations of multiple myeloma. Arch Dermatol. 1991; 127: 69-74.         [ Links ]

11. Torne R, Su WPD, Winkelmann RK, Smolle J, Kerl H. Clinicopathologic study of cutaneous plasmacytoma. Int J Dermatol. 1978;114:1784-7.         [ Links ]

12. Piette WW. Myeloma, paraproteinemias, and the skin. Cutaneous Oncology. 1986; 70: 155-77.         [ Links ]

13. Shah A, Klimo P, Worth A. Multiple myeloma first observed as a multiple cutaneous plasmacytomas. Arch Dermatol. 1982; 118:922-4.         [ Links ]

14. Campbell I. Metástases cutâneas de neoplasias: estudo de 27 pacientes. Tese. São Paulo, 1994.         [ Links ]

15. Requena L, Kutzner H, Palmedo G, Calonje E, Requena C, Pérez G, Pastor MA, Sangueza OP. Cutaneous involvement in multiple myeloma. Arch Dermatol. 2003; 139:475-86.         [ Links ]


* Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Por: Daniella Abbruzzini Ferreira de SouzaI; Thais Helena Proença de FreitasII; Roberto Antonio Pinto PaesIII; Helena MüllerIV; Vânia T. M. Hungria

IMédica do Curso de Aperfeiçoamento do Serviço de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
IIMédica Assistente do Serviço de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
IIIMédico Assistente do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
IVMédica Chefe de Clínica Adjunto do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
VMédica Assistente do Serviço de Hematologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

2 comentários:

  1. Para fazer qualquer diagnostico, o paciente primeiro tem que ter uma consulta de dermatologia em são paulo, e se tem algum melanoma, trata-lo com algum profissional.

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  2. Com toda certeza, Mariana. Publicamos os estudos , com acreditação e endosso sérios.Nosso intento oferecer estas informações- confiáveis, para que sempre se procure um Especialista , seja em que Estado do Brasil se encontre.
    Obrigado.

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