Intervenções psicológicas realizadas
na onco-hematolótica*
1.A ONCO-HEMATOLOGIA
Segundo
Alberts (1997), o câncer é formado por células mutantes que adquirem autonomia
de crescimento e multiplicação, interrompendo o seu processo de amadurecimento
normal. Um tumor será maligno quando suas células tiverem a capacidade de
migrar para tecidos vizinhos causando tumores secundários. As neoplasias
malignas são divididas entre os tumores sólidos e as neoplasias hematológicas,
sendo que o último é tratado pela especialidade da hematologia, mais
precisamente a onco-hematologia.
No
grupo das doenças oncológicas, onde segundo Ferrari e Herzberg (1997) se
encontram as neoplasias hematológicas, estão as leucemias agudas e crônicas, os
linfomas e o mieloma múltiplo, dentre outros. Geralmente estas doenças não
estão restritas a uma única região do corpo, mas se manifestam em várias áreas
do organismo sem respeitar barreiras anatômicas. O sangue, a medula óssea e os
gânglios linfáticos, além do baço e do fígado, são órgãos mais freqüentemente
envolvidos neste processo. A onco-hematologia é terreno de grande complexidade,
e tem sido objeto de estudo e dedicação de diferentes profissionais da área da
saúde. Segundo dados da Fundação Oncocentro (2005), dos tumores apresentados em
mulheres, 3,8% são do sistema hematopoético (responsável pela produção do
sangue), sendo que nos homens, este número aumenta para 4,6%.
As leucemias são divididas em agudas e crônicas. O grupo das leucemias agudas é
dividido em mieloblástica e linfocítica, sendo que essa diferenciação é feita
na célula de origem de cada grupo. De forma geral as leucemias agudas
apresentam uma evolução muito rápida, sendo necessário o diagnóstico precoce e
o tratamento rápido. Apesar de ser um tipo raro de câncer, a leucemia aguda
apresenta um elevado índice de morte em pessoas abaixo da idade de 35 anos. A
incidência das leucemias é semelhante por todo o mundo, sendo que, dentre as
leucemias agudas, a mieloblástica tem ligeira predominância sobre a
linfocítica. São mais predominantes nos homens, sendo maior o número de casos
nos de raça branca. A idade de acometimento difere enormemente entre dois
grupos, sendo a leucemia linfocítica aguda (LLA) muito comum até os 10 anos de
idade e a leucemia mielóide aguda (LMA) muito comum na média de 65 anos de
idade. O tratamento entre os dois grupos também é muito diferente. Além disso,
a leucemia mielóide aguda tem um pior prognóstico que a crônica. As leucemias
crônicas também apresentam a forma mielóide e linfocítica. A leucemia
linfocítica crônica (LLC) é a mais comum das leucemias. Apesar de todos os
avanços nos conhecimentos sobre a doença e na forma de tratamento, atualmente mais
avançadas, não houve nenhuma mudança na sobrevida destes pacientes. A leucemia
linfocítica crônica apresenta-se habitualmente no paciente com idade acima de
60 anos, motivo pelo qual muitas vezes o tratamento quimioterápico agressivo
não é utilizado, atingindo-se assim índices de cura próximos de zero. Outro
motivo que leva o tratamento a ser feito de forma paliativa é a característica
da doença que, muitas vezes, não requer uma intervenção terapêutica, vivendo o
paciente por volta de 20 anos sem maiores problemas. (Sociedade Brasileira de
Cancerologia, 2005)
Ainda
segundo a Sociedade Brasileira de Cancerologia (2005), os linfomas
caracterizam-se pela proliferação anormal das células do tecido linfóide. As
doenças de Hodgkin e não-Hodgkin apresentam algumas características clínicas
semelhantes, mas divergem na célula de origem, forma de apresentação,
tratamento e nos resultados do tratamento. Estão entre as doenças malignas que
melhor respondem ao tratamento com radioterapia e quimioterapia. O índice de cura
da doença de Hodgkin é em torno de 75% para os pacientes com o tratamento
inicial e nos casos de recidiva; já os linfomas não-Hodgkin são curados em
menos de 25% dos casos. O número de casos de linfoma não-Hodgkin é
aproximadamente cinco vezes maior que o de doença de Hodgkin. Essas duas
doenças apresentam um acometimento muito grande de pacientes em idade produtiva
(adultos jovens).
Segundo
ABRALE (2005), o Mieloma Múltiplo é um câncer da medula óssea, onde há o
crescimento descontrolado de células plasmáticas. Embora seja mais comum em
pacientes idosos, há cada vez mais jovens contraindo a doença.
Sobre
o tratamento do câncer, Yamaguchi (1994) explica que ele pode ser curativo,
almejando a eliminação da doença; de suporte, buscando um controle da doença;
ou paliativo, visando apenas a diminuição da dor e do sofrimento do paciente.
Estes tratamentos abrangem cirurgias, quimioterapias, radioterapias,
transplantes de medula óssea (TMO), dentre outros; podem ser empregados
isoladamente ou em conjunto, dependendo de cada caso. No caso da
onco-hematologia, a quimioterapia, a radioterapia e o TMO são as medidas
terapêuticas mais presentes de acordo com a realidade clínica destes pacientes.
A
quimioterapia, segundo Ferrari e Herzberg (1997), é um tipo de tratamento
baseado na administração de substâncias químicas, que atuam nas células do
câncer, principalmente durante sua divisão. A ação destas substâncias se
estende por todo o corpo, com exceção do Sistema Nervoso Central. O principal
efeito colateral da quimioterapia é a queda de produção de células do sangue
(mielodepressão), ocasionando indisposição física e suscetibilidade a
infecções, sangramentos, inflamação do trato digestivo (mucosites), além de
náuseas, vômitos e queda do cabelo (alopécia). Ainda segundo Ferrari e Herzberg
(1997), a Radioterapia, baseada na ação de radiação para o tratamento do
câncer, pode ser administrada externamente ou pela colocação da fonte de
radiação em seu interior e apresenta ações locais, buscando a destruição das
células cancerosas por meio da interferência na estrutura de seu DNA.
Normalmente os efeitos colaterais deste tratamento são restritos às áreas
irradiadas.
O
Transplante de Medula Óssea (TMO), procedimento de grande complexidade médica,
traz consigo grande impacto na vida dos pacientes. Tal procedimento tem sido
utilizado para tratar uma série de doenças hematológicas, dentre algumas
outras, que eram consideradas incuráveis no passado. Ferrari e Herzberg (1997)
explicam que o TMO é um tipo de tratamento baseado na administração de altas
doses de quimioterápicos (associados ou não à radioterapia), que visam destruir
a medula óssea que em seguida será substituída por uma nova medula que é
infundida no paciente. Existem alguns tipos de transplante; são eles o Alogênico,
o Autólogo ou Autogênico e o Singênico. O primeiro é realizado pela doação de
uma medula óssea compatível que é implantada no paciente; no segundo a própria
medula do paciente é colhida, tratada e infundida novamente; e o terceiro é o
transplante entre irmãos gêmeos idênticos. Estes procedimentos são extremamente
complexos e invasivos e suas decisões dependem de diversos fatores como a
idade, estágio da doença, condições físicas, doador compatível dentre outras.
As decisões não dependem somente do próprio paciente e de sua condição física e
emocional, mas também da existência ou não de um doador e de sua
disponibilidade para este processo.
Dadas as intensas demandas físicas e emocionais - indução do regime,
imunossupressão, isolamento físico e social, hospitalização prolongada -
associadas ao procedimento de TMO, bem como o seu crescente uso, enquanto
modalidade terapêutica para uma variedade de doenças malignas e hematológicas,
a qualidade de vida (QV) de pacientes submetidos ao TMO tem emergido como uma
área crítica de estudo. (Almeida & Loureiro, 2000)
Tal
procedimento cria uma nova perspectiva de vida, porém traz consigo muitas
dificuldades, resultantes de efeitos colaterais, do risco do tratamento e do
sofrimento emocional advindo de uma angústia muito grande vivida nas diferentes
etapas deste processo. Segundo Andrrykowski (apud Almeida e Loureiro, 2000),
embora o TMO seja uma terapia para salvar vidas, o procedimento por si só está
associado com um risco significativo de mortalidade. Os pacientes podem
escolher continuar com o tratamento convencional, mas sem perspectiva de cura,
ou optam pelo TMO que traz mais risco, mas também maior potencial de cura.
Segundo Almeida, Loureira e Voltarelli (1998), pesquisas recentes têm
registrado uma diversidade de efeitos psicossociais do TMO, incluindo disfunção
sexual, dificuldades nas relações sociais e relacionamento interpessoal,
ansiedade, depressão, baixa auto-estima, dificuldade de re-inserção
profissional, limitação quanto às atividades recreativas, dificultando, assim,
o processo de adaptação do paciente.
2.A PSICO-ONCOLOGIA
Seja
pela gravidade da doença ou do tratamento, se trabalha em um contexto onde o
índice de óbitos é alto, tornando de grande importância um serviço que forneça
respaldo psicológico para o paciente, seus familiares e equipe profissional.
Sabe-se que dentro deste contexto, diversos trabalhos têm sido desenvolvidos
com a intenção de oferecer atendimento psicológico. Com a descoberta da doença,
que acontece na maioria das vezes de forma brusca, o paciente passa por
situações diversas. A doença, tratamento e conseqüências adjacentes interferem
em diferentes questões e transformam a vida dos pacientes, que não é mais
“dono” sozinho de sua rotina, mas está submetido às necessidades do tratamento
e da rotina do serviço hospitalar.
Chiattone
(1998) coloca que no contexto da doença, além dos efeitos físicos presentes
pelo quadro médico, o diagnóstico atinge diretamente a integridade psicológica
dos pacientes, tornando-os fragilizados e vulneráveis. Esta situação é geradora
de extrema angústia, em geral por dor, culpa, temor à separação dos familiares
(em função do isolamento), sofrimento e a eminência da morte, desencadeando
reações psíquicas específicas que variam de acordo com os recursos psicológicos
internos de cada paciente. Tanto as próprias questões físicas, inerentes as
doença e ao tratamento, quanto as questões psíquicas, adjacentes a este quadro,
favorecem o surgimento de angústias, questionamentos, reflexões, sofrimentos e
até mesmo o surgimento de um quadro com sintomas psicopatológicos que exijam a
intervenção psiquiátrica. É exatamente neste terreno, de delicadas sensações,
onde se encontra o paciente, normalmente bastante fragilizado em função do
diagnóstico, prognóstico ou mesmo em conseqüência de seus tratamentos penosos.
A inquietude perante a evolução da doença, a esperança em relação aos
tratamentos e à cura, os exames médicos, os momentos de espera face ao que é
desconhecido, a hospitalização, os efeitos colaterais, a qualidade de vida,
dentre outras diversas questões, faz o dia-dia destes pacientes.
A intervenção psicológica em uma Unidade de Transplante de Medula Óssea, se
adequadamente estruturada, apresenta-se como um recurso que amplia os limites
de ação da equipe médica no atendimento das necessidades que surgem em cada
momento da trajetória do paciente oncológico: iniciando-se no diagnóstico,
percorrendo o tratamento e podendo alcançar as situações posteriores de
adaptação do paciente às seqüelas concretas ou subjetivas com que se deparam
(Veit et al., 1998).
Para
uma reflexão sobre as possibilidades de intervenções psicológicas, é necessária
a contextualização das situações vividas pelos pacientes. Kovács (1992)
escreveu sobre o homem diante da morte, entendendo que desde o momento do
diagnóstico, o paciente passa por diversas etapas, onde pode reagir de
diferentes maneiras, de acordo com sua estrutura emocional. No caso de doenças
graves, como o câncer, a pessoa tem os planos da própria vida interrompidos,
trazendo à tona angústias muito intensas em relação à eminência da morte.
Segundo
Carvalho (1997), desde o filósofo Hipócrates há o entendimento de que o que
acontecia na mente afetava o corpo. Com o advento da tecnologia baseada no
modelo cartesiano de pensamento, foi desenvolvido o modelo dicotômico que
influenciou diretamente a ciência, dentre elas a medicina, entendendo a partir
daí que para se conhecer o todo, deveria estudar as suas partes. Neste momento
perde-se a visão integral do ser humano, dividindo a mente e o corpo, como
entidades distintas.
Já no fim do século passado, em que era clara a influência cartesiana na
medicina, Freud, em seus Estudos sobre a Histeria propôs um retorno a uma visão
mais integrada do ser. Freud demonstrou que as paralisias histéricas eram
destituídas de um substrato neurológico, não restando dúvidas de que seus
trabalhos apontavam na direção de uma visão mais integrada do homem, mostrando
que acontecimentos da esfera psíquica causavam conseqüências orgânicas.
(Carvalho, 1997)
Ainda
segundo Carvalho (1997), Franz Alexander, em Chicago, Estados Unidos, criou a
medicina psicossomática que assumiu novamente o papel de que a mente tem
relação com a saúde física. Alexander fazia relações entre aspectos
psicológicos e interações psiconeuroimunológicas. Foi a partir da década de 50
que os trabalhos de orientação psicanalítica começaram a surgir, estudando a
relação entre a estrutura de personalidade e o desenvolvimento do câncer. Hoje
a medicina não se detém a encontrar causas únicas para as patologias, ela
busca, de forma mais abrangente, olhar o ser humano como um ser
bio-psico-social.
O achado de uma causa não nos exime da tarefa de investigar no terreno dos
significados inconscientes, do mesmo modo que o achado de um motivo
psicologicamente compreensível não nos exime da investigação das causas eficientes
através das quais o transtorno se realiza como uma transformação da
configuração dos órgãos e suas funções. Em lugar de serem incompatíveis, ambas
as interpretações da enfermidade podem ser contempladas como as duas faces de
uma mesma moeda. (Chiozza, apud Carvalho, 1997)
A
psicologia tem desenvolvido trabalhos nesta área expandindo seu campo de
atuação. A psico-oncologia, segundo Gimenes (apud Ferreira, 2002), é uma
interface entre a Psicologia e a Oncologia, constituindo um campo de
intervenção. Esta especialidade que se desenvolveu dentro da área da saúde
busca, dentro de um contexto interdisciplinar, criar serviços de assistências e
pesquisas e suas estratégias de intervenção podem ser utilizadas em diferentes
níveis, desde a fase da prevenção até o tratamento, as reabilitações ou na fase
terminal da doença. Segundo Costa Junior (2001), a psico-oncologia deve ser
entendida por nós como um instrumento que viabiliza atividades
interdisciplinares no campo da saúde, desde a pesquisa científica básica até os
programas de intervenção clínica. Esta especialidade começou a ser
sistematizada a partir da percepção de que fatores não orgânicos influenciavam
no surgimento, evolução e no resultado do tratamento do câncer. Em função dos
avanços da medicina e da descoberta de novos medicamentos houve um aumento do
tempo de vida destes pacientes, ampliando a necessidade de acompanhamento
psicológico nas diferentes fases da doença.
As
intervenções psicológicas, sejam elas dentro do contexto da saúde ou não, são
pautadas em referenciais teóricos que norteiam e direcionam as práticas de seus
profissionais. A psicologia é uma área bastante ampla e abrangente, e sua
prática é baseada fundamentalmente em seu referencial teórico, que com suas
particularidades, desenvolve sua prática embasada em sua teoria. As principais
abordagens teóricas que encontramos são a psicanalítica, comportamental,
fenomenológica, analítica (Junguiana), sistêmica, dentre outras. Nestas
abordagens, de forma geral são atendidos: pacientes, familiares, equipe e, em
alguns casos, a comunidade. As modalidades de atendimento normalmente são
individuais e grupais e a metodologia pode ser analítica, psicoterápica, de
apoio ou informativa (orientação).
Fonte:
*Excertos de Intervenções psicológicas realizadas na clínica onco-hematolótica:
discussão acerca das possibilidades clínicas apresentadas na
literatura/[Cláudia Nassralla Homem de Mello; Maria Lúcia Cardoso Martins;
Dalton Chamone; Kátia Osternack Pinto; Niraldo de Oliveira Santos; Mara
Cristina Souza de Luciant]- Psicologia
Hospitalar/ ISSN 1677-7409-Psicol. hosp. (São Paulo) v.5 n.1 São Paulo
3. A humanização do atendimento em
onco-hematologia**
Ao
adoecer, pacientes oncohematológicos vivenciam intensas transformações. É real
a presença de uma situação de crise no que diz respeito a própria vida e suas
transformações e sobre a doença que também causa intensas repercussões.
Nessa
medida, a doença pode ser vivida, conforme a fase de desenvolvimento, como um
momento de 'crise sobreposta a outra crise' pois uma vez doente, o paciente
passa a debater-se entre sentimentos ambivalentes, decorrentes do choque de seu
mundo de valores e de sua realidade atual, tornando-se psicológicamente frágil,
pois defronta-se com uma das questões mais angustiantes da existência humana,
intimamente ligada à situação de doença e revelada através dos conflitos entre
a vida e a possibilidade de morte.
Acresce-se
o fato de que ao ser hospitalizado, o paciente interrompe sua forma habitual de
vida, vivenciando uma ruptura em sua história, configurando-se um estado de
crise, agravado por algumas características específicas determinadas pela
hospitalização que interferem diretamente sobre seu estado emocional: clima de
‘stress’ constante; isolamento frente às figuras que geram segurança e
conforto; relação com aparelhos intra e extra corpóreos, clima de morte
iminente, perda da noção de tempo e espaço, perda da privacidade e da
liberdade; despessoalização, perda da identidade e participação direta ou
indireta no sofrimento alheio.
A
agravar todo esse estado, do ponto de vista sócio-cultural, a partir da
deflagração da doença oncohematológica, o paciente, em geral, é afastado de seu
meio, de suas atividades produtivas, de seus familiares e de seu cotidiano. A
essas perdas, somam-se aquelas previsíveis à situação de adoecimento e
hospitalização: perda do sentimento de invulnerabilidade que compromete
sobremaneira o equilíbrio psicológico pelo desencadeamento de intensa angústia
de morte; perda da conexão com o mundo habitual, determinando ao paciente uma
situação caótica em nível existencial; perda da aptidão e plenitude de
raciocínio que determina o fracasso da razão pois a situação em si, de doença e
hospitalização, altamente ameaçadora, é intensamente marcada por questões sem
respostas (“por que isso aconteceu comigo?”, “quais são minhas verdadeiras
chances?”, “conseguirei suportar?”); perda do controle de si mesmo, marcada
pelo tratamento, internações, condutas terapêuticas, evolução e intercorrências
clínicas a que o paciente deve submeter-se, no verdadeiro sentido da palavra;
sensação de abandono, desencadeante de depressão, apatia e reações de
hostilidade dirigidas à equipe; temor ao desconhecido, o que pode acarretar
fantasias em relação à doença, tratamento e prognóstico; despessoalização ou,
segundo GOFFMAN (1990) mortificação (o paciente perde sua posição social e/ou
familiar, é despojado de seus pertences, sendo muitas vezes identificado como
um número de leito ou pelo nome da doença que possui).
Complementando
esses aspectos, é possível enumerar vários fatores biológicos e psicossociais
que podem desencadear alterações psicológicas e/ou psiquiátricas em pacientes
com doenças oncohematólogicas: frustração na realização de desejos e
necessidades, agravamento de conflitos intrapsíquicos, inadequação dos
mecanismos de defesa, perda do sentimento de auto-estima, alteração na imagem
corporal, ruptura do ciclo sono-vigília, uso de medicamentos coadjuvantes,
procedimentos invasivos e isolamento social.
Assim,
é amplamente reconhecido na literatura que o diagnóstico e a vivência do
tratamento da doença oncohematológica atinge diretamente a integridade
psicológica dos pacientes, tornando-os fragilizados e vulneráveis. Essa
situação é geradora de intensa angústia, em geral pelo temor à mutilação e dor,
culpa, temor à separação, ao sofrimento e à morte, desencadeando reações
psíquicas específicas que variam de acordo com os recursos psicológicos de cada
paciente.
O
transtorno psicológico mais freqüente em pacientes oncohematológicos refere-se
ao transtorno de adaptação reativo ao stress imposto pela doença. Os sintomas
psicológicos característicos envolvem estados de ansiedade e depressão,
acrescidos da persistência excessiva desses sintomas e de interferência anormal
no trabalho, em atividades escolares e sociais.
Estados
de ansiedade determinados por temores, dúvidas, fantasias e apreensões frente a
vivência da doença e tratamento são freqüentes. Apesar de esperados, devem
manter-se controlados para que não evoluam para estados de pânico,
caracterizados por perda de controle, confusão, desespero, regressão e
súplicas. Os transtornos de ansiedade descritos envolvem episódios de ansiedade
aguda relacionados ao stress do diagnóstico e de seu tratamento, ansiedade
relacionada com a doença e transtornos de ansiedade crônica anteriores ao
diagnóstico que exacerbam-se durante a vivência da doença. A ansiedade
situacional é freqüente e a maioria dos pacientes mostra-se bastante ansiosa
diante da expectativa do diagnóstico ou após o recebimento deste, antes de
submeter-se a condutas terapêuticas (aspiração de medula óssea, administração
de quimioterapia ou de radioterapia), diante da expectativa de alta hospitalar,
frente a sintomas que possam indicar recidiva da doença, etc. Dificuldades
diagnósticas, piora do quadro clínico e necessidade de internação em UTI,
sangramentos, intercorrências, vivências traumáticas durante o tratamento
quimioterápico ou morte de amigos e companheiros de tratamento, com o mesmo
diagnóstico, podem também resultar em quadros de ansiedade.
Transtornos
depressivos em pacientes oncohematológicos são freqüentes e bem conhecidos,
embora assemelhem-se, em porcentagem, à incidência de depressão em pacientes
com outras doenças orgânicas graves. Esta relação sugere que o determinante
primário para o desencadeamento de um quadro depressivo interliga-se ao nível
de gravidade da doença e não somente ao seu diagnóstico específico. De qualquer
forma, alguns fatores sugerem estar intimamente vinculados ao desencadeamento
de depressão: estado físico agravado, dor, história prévia de depressão e
intercorrências orgânicas. Os transtornos depressivos definem-se por reações de
desesperança, apatia, isolamento, astenia e impotência frente ao diagnóstico, à
evolução da doença e ao próprio tratamento. O diagnóstico de depressão aponta a
presença de insônia, anorexia, fadiga, perda de peso e transtornos somáticos.
Acrescem-se sentimentos de desamparo, diminuição da autoestima e autoconceito,
culpa, retraimento social, intensa angústia de morte, redução do nível de
energia, dificuldades de concentração, perda do interesse, dificuldade de
iniciar atividades e colaborar no tratamento, lentificação do pensamento,
dificuldades em tomar decisões, crises de choro, lentificação dos movimentos.
Reações
de ira, hostilidade e sentimentos paranóides também podem ser citados como
reações da doença. Em geral, apresentam-se como reações situacionais onde o
diagnóstico e a vivência do tratamento são vivenciados como uma injustiça
imposta pelo ambiente, desencadeando sentimentos de desconfiança,
ressentimento, perseguição e abandono. Sensação de culpa e punição também pode
ser descrita. Nela, o paciente sente-se culpado por comportamentos assumidos
nas relações de amizade, com familiares, sexualidade, inclinações, etc. O
paciente ao acreditar que está sendo punido, vincula a doença a castigo e com a
instalação da doença, geralmente apresenta sensação de punição gerada pela
fantasia de culpabilidade. Várias outras reações psicológicas podem ser
citadas: frustração de sonhos e projetos; privação da realização; regressão;
angústia de morte; temor à mutilação; temor à dor; temor ao abandono; insegurança;
desconfiança; inconformismo; intolerância emocional; apreensão com a
auto-imagem; temor à perda de controle e de identidade; racionalização;
agressividade; fantasias e desesperança.
Nesse
sentido, a implementação de Programas de Humanização a pacientes com doenças
onco-hematológicas é um aspecto fundamental em todo programa terapêutico eficaz
e humano, tendo em conta as múltiplas situações difíceis e ameaçadoras que os
pacientes atravessam e as várias adaptações inesperadas que se vêm obrigados a
enfrentar durante os períodos de diagnóstico, tratamento, remissões e recidivas
da doença.
Fonte
:**Excertos de Programa
de Humanização em Onco-Hematologia –[Heloisa Benevides de Carvalho
Chiattone,Regina Célia Rocha,Viviane Cristina Torlai;Maria Aparecida Zanichelli]
ABRALE
Leia
outros esclarecimentos em Mais Informações, abaixo:
Este
artigo visa oferecer uma visão da Psico-oncologia, através de um resumo da
história, do campo de ação e dos problemas específicos da área. Os primeiros
estudos da ligação corpo e mente no câncer tiveram início na Grécia, mas esta
visão foi abandonada até o século XIX quando Freud voltou a mostrar que o
psíquico podia ocasionar processos físicos. A Medicina Psicossomática, a
Medicina e a Psicologia Comportamental e a Psicologia da Saúde abriram o
caminho para a Psico-Oncologia, hoje muito apoiada pela Psiconeuroimunologia.
As características específicas dos psico-oncologistas brasileiros, bem como a
sua forma de atuação levaram a uma definição baseada na nossa cultura e realidade.
E levaram ao desenvolvimento atual deste campo em nosso meio. Os profissionais
da área, entretanto, ainda se vêem frente a uma série de desafios, seja
internos, no conteúdo da Psico-Oncologia, seja na afirmação de seu campo de
trabalho.
Descritores:
Psico-oncologia. Câncer.
A
Oncologia é, segundo Yamagushi (1994),a ciência que estuda o câncer e como ele
se forma, instala-se e progride, bem como as modalidades possíveis de
tratamento. O médico que cuida dos aspectos clínicos é chamado oncologista
clínico. Além deste, outros profissionais envolvidos no tratamento são o
cirurgião oncológico, o radioterapeuta e o psicólogo, que participam de uma
equipe multidisciplinar.
A
colocação de Yamagushi passa a ser oficial, no tocante a psicólogos na equipe,
a partir da publicação da Portaria nº 3.535 do Ministério da Saúde, publicada
no Diário Oficial da União, em 14/10/1998. Esta portaria determina a presença
obrigatória do psicólogo nos serviços de suporte, como um dos critérios de
cadastramento de centros de atendimento em Oncologia junto ao SUS.
Esta
participação hoje considerada necessária traz à tona todo um processo de
desenvolvimento da área denominada Psico-Oncologia, com seu histórico, suas
características e seus desafios.
Breve
Histórico
A
noção de que o corpo e a mente são partes de um organismo e que a saúde é fruto
deste equilíbrio entre as partes do indivíduo e deste com o meio ambiente, já
estava presente nos pais da Medicina Ocidental, Hipócrates e Galeno. Este
chegou a observar que mulheres deprimidas apresentavam maior incidência de
câncer.
Embora
na Medicina Oriental o homem sempre tivesse sido visto como uma unidade
indivisível, no Ocidente esta unidade desapareceu por um longo tempo. Na Idade
Média houve uma separação entre corpo e alma e predominou a noção de que as
doenças eram punições divinas, devido à grande influência da religião. No
Renascimento, o impacto da proposição de Descartes separando res cogitans
(mente) e res estensa (corpo) permitiu um grande avanço científico no estudo
das doenças do corpo. Mas permitiu também a visão do homem como um composto de
partes separadas. A visão cartesiana deu origem "ao modelo biomédico, o
qual propõe que as doenças podem ser explicadas por distúrbios em processos
fisiológicos, que surgem a partir de desequilíbrios bioquímicos, infecções
bacterianas, viróticas ou outras e independem de processos psicológicos e
sociais" (Carvalho, 1998, p. 116).
No
final do século XIX a integração mente-corpo foi retomada por Freud, em seus
"Estudos sobre Histeria". Ele demonstrou que acontecimentos psíquicos
podiam ter conseqüências orgânicas e abriu caminho para que inúmeras pesquisas
buscassem as inter-relações entre os aspectos biológicos, psicológicos e
sociais. Esta linha de pensamento e ação deu origem ao modelo biopsicossocial
na Medicina, que ganha cada vez mais adeptos, mas ainda encontra resistência na
Medicina tradicional.
O
trabalho de Freud e as contribuições de Jung propiciaram o desenvolvimento de
um campo de estudos, pesquisa e atuação, denominado Medicina Psicossomática. A oficialização
desta área ocorreu com a fundação da American Psychosomathic Medicine
Association, em 1939. Muitas outras linhas teóricas vieram para contribuir para
o fortalecimento do conceito de Psicossomática, passando este termo a
significar, na literatura científica atual, a interrelação entre mente e corpo.
Os
estudos de Pavlov mostrando a possibilidade da utilização de condicionamentos
na modificação de determinados comportamentos e estas modificações podendo ser
usadas como forma de tratamento, impulsionaram a criação das áreas denominadas
Medicina Comportamental e Psicologia Comportamental. Na década de 70 teve
início a publicação da Journal of Behavior Medicine, cuja finalidade era a
integração das pesquisas das Ciências Sociais e Biomédicas e sua aplicação nos
tratamentos médicos.
Em
1970, a Associação Americana de Psicologia criou a divisão de Psicologia da
Saúde e no início dos anos 80 começou a ser publicada a Revista de Psicologia
da Saúde. Esta área se propunha a: a) promoção e manutenção da saúde; b)
prevenção e tratamento de doenças; c) identificação da etiologia e
diagnósticos; d) atuação no sistema de política social da saúde.
Esta
oficialização da atuação do psicólogo na saúde veio consolidar um movimento que
já ocorria em consultórios e hospitais com o atendimento psicológico de
portadores de enfermidades. Tem-se notícia de unidades psiquiátricas e de
cuidados com aspectos psicológicos em hospitais gerais desde 1902, quando os
médicos começaram a se interessar pelos conceitos da Psicossomática. Em São
Paulo, a psicóloga Matilde Neder foi contratada em 1954, para trabalhar no
setor infantil da Clínica Ortopédica e Traumatológica do Hospital das Clínicas
da FMUSP. Os médicos do setor sentiram necessidade do auxílio psicológico no
trato com as crianças operadas e deram início a um processo de contratação de
psicólogos, hoje presentes em muitos outros setores desse hospital, bem como em
muitos outros hospitais no Brasil.
Mas
as equipes formadas por psiquiatras e psicólogos só começaram a ser requisitadas
pelos oncologistas a partir da década de 70, inicialmente com o objetivo de
auxiliar o médico na dificuldade da informação do diagnóstico de câncer ao
paciente e sua família.
Em
1981, a publicação do livro de Robert Adler, denominado Psiconeuroimunologia
deu início a uma nova disciplina que congrega a pesquisa científica do complexo
campo das interligações entre os sistemas endócrino, imunológico e nervoso. Na
sua amplitude maior, a Psiconeuroimunologia visa estudar a interrelação
mente-corpo através dos mecanismos pelos quais os sistemas psicológico e
fisiológico se comunicam.
A
Psico-Oncologia tem, na sua história remota, a contribuição direta de Galeno e,
na sua história recente, além das contribuições citadas, todos os
desenvolvimentos nos próprios campos da Psiquiatria e da Psicologia. Na medida
em que estas áreas foram contribuindo cada vez mais para o conhecimento
profundo do ser humano e desenvolvendo diferentes formas de tratamentos, foram
se delineando as linhas de trabalho junto ao paciente oncológico.
Por
outro lado, o próprio desenvolvimento da Medicina no tocante ao entendimento
das enfermidades oncológicas, bem como a descoberta de tratamentos novos, foram
modificando, a partir do início do século XX, a visão do câncer como sentença
de morte. As primeiras cirurgias, possibilitadas pela descoberta da anestesia,
começaram a permitir a retirada de tumores, o que abriu caminho para
possibilidades de cura. Novas informações sobre as causas e os processos de
câncer e novos tratamentos – radioterapia, quimioterapia, imunoterapia e outros
– começaram a modificar o panorama da doença, trazendo esperança de maior
sobrevida e cura, em um grande número de casos.
O
câncer e a Psico-Oncologia
Câncer
ou enfermidades oncológicas são denominações utilizadas para descrever um grupo
de doenças que se caracterizam pela anormalidade das células e sua divisão
excessiva. Existe uma grande variedade de tipos de câncer. Por exemplo o
carcinoma, que surge nos tecidos epiteliais; o sarcoma, que ocorre nas
estruturas de tecidos conectivos, como ossos e músculos; a leucemia que se
origina na medula óssea e afeta o sangue; o melanoma que é um câncer de pele; e
muitos outros (Carvalho, 2000).
Provavelmente,
todos os diferentes tipos de câncer não têm uma única causa, mas sim uma
etiologia multifatorial (Hugues, 1987). Para que a doença ocorra, parece ser
necessária uma operação conjunta de vários fatores tais como, a predisposição
genética, a exposição a fatores ambientais de risco, o contágio por
determinados vírus, o uso do cigarro, a ingestão de substâncias alimentícias
cancerígenas, e muitos outros (Trichopoulos, Li, & Hunter, 1996).
Acredita-se
também na possibilidade de contribuições psicológicas no crescimento do câncer.
Inúmeros pesquisadores vêm estudando possíveis efeitos de estados emocionais na
modificação hormonal e desta na alteração do sistema imunológico (Bovbjerg,
1990). A relação entre o estresse e a depressão com o enfraquecimento do
sistema imunológico e esta situação favorecendo o desenvolvimento de formações
tumorais foram amplamente analisadas por Le Shan (1992), Simonton, Simonton e
Creighton (1987) e pioneiros nos estudos dos aspectos psicológicos envolvidos
nos processos de câncer.
Le Shan
(1992) e Simonton et al. (1987)
começaram também a cuidar dos pacientes, propondo formas de apoio psicossocial
e psicoterápico ao doente e seus familiares, todos sob o impacto do diagnóstico
de câncer e suas conseqüências. Seus trabalhos mostram a possibilidade de
auxílio no encontro de uma melhor forma de enfrentamento do câncer e a obtenção
de uma melhor qualidade de vida. E mostram também que, através de novas
atitudes, comportamentos mais saudáveis, modificação de valores, em conjunto
com o tratamento médico, muitas pessoas modificaram o rumo de suas vidas e
chegaram a uma sobrevida maior e mesmo a casos de cura.
Holland
(1996), psiquiatra do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center em Nova Iorque,
outra importante pioneira na área, começa na década de 70 um serviço de
atendimento, pesquisa e treinamento de psiquiatria e psicologia. Seu trabalho
buscava responder as seguintes questões:
O
que são respostas normais ao câncer? Quais são anormais, refletindo um
sofrimento que possa interferir no plano de tratamento? Qual a prevalência de
problemas psicológicos que indicam a necessidade de psicoterapia? As reações
emocionais afetam o curso da enfermidade negativa ou positivamente? Quais as
intervenções e métodos de enfrentamento que podem reduzir o sofrimento? (p.
122)
Através
de questionários, Holland buscou medir o funcionamento físico, psicológico,
social, sexual e no trabalho, comparando com estes funcionamentos na ausência
da doença. E buscou melhorar a qualidade de vida em seu conjunto, em seus
pacientes.
Estes,
entre outros trabalhos, foram estabelecendo a fundamentação da Psico-Oncologia,
que foi definida por Holland (1990) como uma subespecialidade da Oncologia, que
procura estudar as duas dimensões psicológicas presentes no diagnóstico do
câncer: 1) o impacto do câncer no funcionamento emocional do paciente, sua
família e profissionais de saúde envolvidos em seu tratamento; 2) o papel das
variáveis psicológicas e comportamentais na incidência e na sobrevivência ao
câncer. (p. 11)
A
criação da Associação Internacional de Psico-Oncologia, pela própria Holland,
veio a oficializar esta definição.
No
Brasil, o movimento da Psico-Oncologia tomou vulto a partir da reunião dos
profissionais da saúde em eventos voltados para o desenvolvimento da área
(Gimenes, Carvalho, & Carvalho, 2000). Havia profissionais oferecendo
atendimento psicossocial grupal em instituições particulares e outros ainda,
oferecendo apoio e desenvolvendo pesquisas em hospitais particulares,
governamentais e universitários.
O
primeiro "Encontro Brasileiro de Psico-Oncologia" ocorreu em 1989 em
Curitiba, o segundo em Brasília e o terceiro em São Paulo, o qual recebeu a
denominação de I Congresso Brasileiro de Psico-Oncologia. Vieram em seguida os
Congressos de Salvador e Goiânia. O grande número de profissionais presentes e
a seriedade dos trabalhos apresentados demonstraram um grande desenvolvimento
deste campo em nosso meio, embora muito ainda esteja por fazer e haja ainda uma
grande necessidade de divulgação desta área.
A
Comissão Organizadora do Congresso em São Paulo sentiu a necessidade de uma
maior divulgação da área e criou um Curso de Extensão em Psico-Oncologia no
Instituto Sedes Sapientiae em 1993. Este curso evoluiu para um curso de
Especialização em Psico-Oncologia, em 2 anos, no mesmo Instituto, o qual teve
início em 1998.
Por
ocasião do Congresso de São Paulo, em 1994, foi sentida a necessidade de que se
formulasse uma definição brasileira de Psico-Oncologia, compatível com as
características da nossa cultura, do nosso sistema de saúde e do
desenvolvimento que vinha ocorrendo até então, observado através das
apresentações de trabalhos nos encontros anteriores.
Embora
a Psico-Oncologia seja uma área de atuação multidisciplinar, em nosso país ela
tem sido desenvolvida principalmente por psicólogos. Cerca de 70% da freqüência
aos Congressos e a maioria das contribuições a estes tem sido de psicólogos.
Esta
realidade levou Gimenes (1994) a formular uma definição que se oficializou
também neste ano, com a fundação da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia:
1º)
Na assistência ao paciente oncológico, sua família e profissionais de Saúde
envolvidos com a prevenção, o tratamento, a reabilitação e a fase terminal da
doença;
2º)
Na pesquisa e no estudo de variáveis psicológicas e sociais relevantes para a
compreensão da incidência, da recuperação e do tempo de sobrevida após o
diagnóstico do câncer;
3º)
Na organização de serviços oncológicos que visem ao atendimento integral do
paciente, enfatizando de modo especial a formação e o aprimoramento dos
profissionais da Saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento.(p. 46)
Atualmente
sabe-se que cerca de 60% das formas de câncer são preveníveis, o que torna o
trabalho de prevenção de especial importância e indica o valor de uma política
social de saúde, com atuação comunitária. O trabalho psicológico, seja de
apoio, aconselhamento, reabilitação ou psicoterapia individual e grupal, tem
facilitado a transmissão do diagnóstico, a aceitação dos tratamentos, o alívio
dos efeitos secundários destes, a obtenção de uma melhor qualidade de vida e,
no paciente terminal, de uma melhor qualidade de morte e do morrer.
O
uso de técnicas de visualização e relaxamento tem-se revelado de grande
utilidade, levando a resultados surpreendentes de melhora física, segundo
inúmeras pesquisas apresentadas em congressos (Carvalho, 1994). Grupos de
atendimento psicossocial, conduzidos com a finalidade de melhorar a qualidade
de vida, levaram a resultados de prolongamento de tempo de vida (Spiegel,
Bloom, Kraemer, & Gottheil, 1989; Spiegel, Bloom, & Yalom, 1981;).
Participantes de grupos de aconselhamento mostraram menos depressão, mais vigor
físico, aumento de sistema imunológico e melhores formas de enfrentamento do
câncer, comparando com grupos de controle (Fawsy et al., 1990; Fawsy et al.,
1993).
Em
São Paulo, o atendimento através do Programa Simonton no CORA (Centro
Oncológico de Recuperação e Apoio), que vem ocorrendo desde 1987, tem levado a
resultados de pesquisas semelhantes aos encontrados em outros países (Carvalho
& Nogueira, 1995, 1996). Esta é uma modalidade de atendimento psicossocial
a pacientes e familiares, realizada em grupo temático, com duração
pré-determinada. Em outras cidades do Brasil, onde este programa vem sendo
desenvolvido, também têm sido encontrados resultados muito favoráveis no
auxílio à recuperação do paciente oncológico e ao seu bem estar psíquico
(Carvalho, 1998b).
A
ajuda psicológica às famílias, também sofredores nos seus medos e angústias, no
seu despreparo frente à doença, na sobrecarga nas suas funções e tantos outros
transtornos, tem sido considerada como essencial, nas pesquisas da área. A boa
comunicação entre pacientes e familiares, bem como o apoio que os familiares
possam oferecer ao paciente, têm sido considerados de maior importância para os
pacientes.
Por
sua vez, os profissionais de Saúde que atendem os pacientes oncológicos,
responsáveis por tratamentos invasivos, mutiladores, agressivos, que infringem grande
sofrimento e nem sempre levam à recuperação e cura, também necessitam ajuda
psicológica. Os profissionais de Saúde apresentam, em grande número, um alto
nível de estresse.
Desafios
Por
todas as etapas do processo de desenvolvimento da Psico-Oncologia, os desafios
estiveram presentes. E, em menor escala, continuam presentes até este momento.
A
corrente dentro da Medicina que pensa o câncer como uma enfermidade do corpo é
ainda muito poderosa e atuante. Os seguidores do modelo biomédico repudiam qualquer
tentativa de encontrar interrelações psicossomáticas na origem e no processo de
câncer. Contestam esta posição com pesquisas detalhadas sobre mutações
genéticas e alterações moleculares. E, se depressão e ansiedade estiverem
presentes no quadro clínico do paciente, os psiquiatras seguidores da
Psiquiatria Biológica tratam com medicamentos, não valorizando o apoio
psicoterápico. Para estes, a Psiquiatria Psicodinâmica não é uma verdadeira
Psiquiatria médica (Bettarello, 1998).
Esta
divisão entre diferentes posições teóricas tem dificultado uma visão unificada
do homem e a integração de tratamentos. E deixa em aberto toda uma série de
questões: porque uma determinada célula, em determinado momento, sofre uma
mutação que a leva a uma proliferação inadequada e descontrolada? Porque em
situações de exposição a elementos químicos altamente cancerígenos algumas
pessoas desenvolvem um câncer e outras não? Porque nem todos os fumantes
desenvolvem um câncer, sendo o cigarro comprovadamente cancerígeno? Através exatamente
de que processos ocorre a interferência do sistema imunológico no câncer? O que
explica o efeito placebo? E as remissões espontâneas, conhecidas por todos os
médicos? Qual o papel da fé nas curas inexplicáveis? Estas e inúmeras outras
perguntas apenas serão respondidas através de uma compreensão mais ampla do ser
humano e de como realmente funciona o seu organismo.
O
diagnóstico do câncer tem usualmente um efeito devastador. Ele ainda traz a
idéia de morte, embora atualmente ocorram muitos casos de cura. Traz o medo de
mutilações e desfiguramento, dos tratamentos dolorosos e das muitas perdas
provocadas pela doença. Esta situação de sofrimento conduz a uma problemática
psíquica com características específicas. Os processos emocionais desencadeados
nestes pacientes exigem um profissional especializado, o que leva à
especificidade da Pisico-Oncologia e a diferencia da Psicologia Hospitalar.
Um
levantamento feito por mim dos termos usados nos artigos de revistas de
Psico-Oncologia e nos trabalhos apresentados em congressos nacionais e
internacionais, revela o seguinte quadro:
Problemática
intrapsíquica – ansiedade, depressão, medo, raiva, revolta, insegurança,
perdas, desespero, mudanças de humor e esperança.
Problemática
social – isolamento, estigma, mudança de papéis, perda de controle, perda de
autonomia.
Problemática
relacionada ao câncer – processo da doença, mutilações, tratamentos, dor,
efeitos colaterais, relação problemática com o médico.
Em
maior ou menor número, em diferentes momentos do processo da enfermidade, o
paciente apresenta um ou vários destes aspectos. E todos eles evidenciam a
importância do apoio psicológico. Os profissionais que atuam na Psico-Oncologia
são seguidores de várias linhas teóricas – psicanálise, análise, gestáltica,
cognitiva, comportamental – tendo como ponto de união o atendimento aos
aspectos citados. Ou seja, o ponto de união desta área é o paciente de câncer.
Suas dificuldades, necessidades, problemas precisam ser atendidos, seja
facilitando um melhor enfrentamento da doença e permitindo uma convivência
melhor com ela, seja melhorando o estado psicológico e este levando a um melhor
estado geral orgânico, auxiliando na recuperação e na cura, se possível. A
variedade de origens teóricas tem trazido também alguns conflitos na forma da
condução do processo psicoterápico. Por exemplo, deve-se focalizar o câncer e
suas conseqüências, em uma terapia breve focal, ou buscar nas origens da
personalidade do paciente, explicações para o próprio desenvolvimento do
câncer?
Esta
pergunta nos remete a um outro desafio – existe uma personalidade típica do
paciente oncológico? Segundo Carvalho (1994), "a respeito da influência de
estrutura da personalidade no surgimento e no desenvolvimento do câncer, os
dados encontrados na literatura são abundantes e muitas vezes
contraditórios" (p. 65). Este pesquisador fez um levantamento
bibliográfico (Le Shan, 1997; LucDougall, 1991; Marty, 1993; Temoshok, 1992; e
outros) e concluiu que, se existirem personalidades predisponentes ao câncer,
este fato indica a possibilidade de um trabalho psicoterápico importante de
prevenção.
Seriam
pessoas pertencentes ao grupo de maior possibilidade de adoecer de câncer,
aquelas consideradas do tipo C, denominação criada por Temoshok. Diferentemente
daquelas do tipo A (que teriam tendências a doenças cardíacas), as do tipo C
não têm crises de raiva, parecem relaxadas, não são competitivas. Mas sob essa
superfície calma, haveria uma grande dificuldade de auto-afirmação, raiva não
expressa, ansiedade e sentimentos reprimidos e uma profunda desesperança. E as
histórias de vida de muitos pacientes pesquisados revelaram infâncias marcadas
por negligência, abandono e isolamento, com fortes sentimentos de perdas.
Entretanto, nem todas as pessoas com histórias de vida e as características
citadas acima desenvolvem um câncer. E nem todos os pacientes apresentam o
mesmo histórico e personalidade. Estamos lidando com maiorias obtidas através
de estatísticas, sabendo que as conclusões não se referem a todos os casos. E
não temos um conhecimento da conecção dos processos psicológicos mais profundos
e o processo da doença.
O
prognóstico do câncer é um dos pontos mais críticos e desafiadores para os
oncologistas. Os prognósticos também são estabelecidos através de estatísticas
referentes àquele tipo de câncer, naquele órgão e naquele grau de estadiamento.
O que o médico pode saber de cada caso é a porcentagem de tempo de sobrevida ou
de mortalidade. Como explicar, entretanto, o que ocorre com os 5% que não vem a
falecer, em uma porcentagem de probabilidade de morte? Ou, como entender que o
mesmo diagnóstico e o mesmo prognóstico podem levar a processos com
encaminhamentos muito diferentes? São conhecidos casos com prognósticos de
pouco tempo de vida e que alcançaram uma sobrevida longa e que chegaram a se
curar.
O
trabalho psicoterápico de Simonton (1987) teve início a partir desta
constatação. Médico radiologista, no contato com pacientes sobreviventes,
começou a perguntar como eles entendiam o fato de terem sobrevivido além das
expectativas médicas. E as respostas eram muito semelhantes: eles tinham uma
motivação para viver. Por exemplo, a espera do casamento da filha, ou da sua
própria formatura em uma Faculdade ou o desejo de melhorar a situação financeira
para deixar a mulher amparada.
Todas
estas dificuldades de previsão do processo oncológico têm levado os médicos
mais cuidadosos a apenas prognosticarem a porcentagem de possibilidade de
metástases e de volta da doença. Têm levado também a estudos de casos de
remissão espontânea (Weil, 1995) e ao crescimento de pesquisas que buscam
conhecer o papel dos fatores psicológicos envolvidos.
Sem
dúvida, ficam claras as lacunas do conhecimento do que realmente ocorre, na sua
amplitude, nos processos oncológicos. Não sabemos quais são todos os fatores
desencadeantes do processo cancerígeno e quais os fatores curativos. Os mesmos
tratamentos não surtem os mesmos efeitos em pacientes com os mesmos
diagnósticos e prognósticos, atravessando a mesma fase da doença.
Existe
ainda um desafio do trabalho em uma equipe multidisciplinar. O trabalho do
psicólogo muitas vezes não é reconhecido pelos médicos, bem como pode
contrariar orientações dadas por estes, quando aos aspectos psicológicos dos
casos em atendimento. Outras vezes são os enfermeiros que se sentem invadidos
ou criticados na sua atuação, pelos psicólogos. A chegada da Psico-Oncologia no
hospital é recente e sua função ainda é freqüentemente desconhecida ou
distorcida. Mas já existem situações em Hospitais onde o psicólogo não é só é
muito valorizado como também é requisitado pelos médicos e pela enfermagem em
seu próprio auxílio, quando em momentos de dificuldades pessoais.
Todos
estes e muitos outros desafios continuam estimulando a equipe multidisciplinar
a encontrar as chaves da compreensão do processo complexo e de múltiplas causas
das doenças cancerígenas.
Siegel
(1997), em um artigo denominado "O que os médicos devem saber", fala
da importância de perguntar ao paciente o que ele está sentindo e ouvir a resposta.
E se o paciente melhorar acima do esperado, aprender com a resposta. Fala
também que a parte biofísica e a psíquica são uma só entidade – são integradas
e compartilham informações para a sua sobrevivência através dos neuropeptídeos.
E que as doenças que ameaçam a vida são necessariamente transformadoras.
As
palavras de Siegel fornecem um ponto de apoio para as reflexões de todos
aqueles que trabalham com o paciente de câncer. É essencial compreender e dar
suporte a essas transformações, bem como ouvir e aprender com o paciente, tendo
sempre em mente que estamos cuidando de um ser humano e não apenas da
enfermidade que ele traz.
[Autora:
Maria Margarida Carvalho]
Instituto
de Psicologia-Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202/Cidade Universitária
Armando de Salles Oliveira
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