Mieloma múltiplo – Avanços no
tratamento
Artigo original: Vânia Tietsche de Moraes Hungria
*
Professora Adjunta da Disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Diretora Técnica e Presidente do
Conselho Científico do International Myeloma Foundation Latin America.
RESUMO
O
mieloma múltiplo (MM) é uma neoplasia de plasmócitos caracterizada pela
destruição óssea, insuficiência renal, anemia e hipercalcemia. Tipicamente uma
doença de idosos, permanece incurável, apesar dos avanços no seu tratamento. A
terapia é indicada para pacientes que desenvolvam anemia significativa,
hipercalcemia ou insuficiência renal, com ocorrência de lesões ósseas líticas e
plasmocitomas extramedulares. A estratégia terapêutica é traçada considerando
os sintomas do paciente, os achados físicos e laboratoriais. Esta revisão tem
como objetivo abordar as principais terapias utilizadas para tratamento de
mieloma múltiplo, suas complicações e as novas perspectivas existentes.
INTRODUÇÃO
O
mieloma múltiplo é uma neoplasia de plasmócitos, caracterizada pela destruição
óssea, insuficiência renal, anemia e hipercalcemia. Embora o mieloma permaneça
incurável, avanços recentes em seu tratamento, incluindo o uso da talidomida e
novas drogas como o bortezomibe e a lenalidomida, são promissores. O mieloma
múltiplo corresponde a 1% de todas as doenças malignas e 10% das doenças
malignas hematológicas, tendo uma incidência aproximada de 4 por 100.000.
Ocorrem cerca de 14.500 casos novos por ano nos Estados Unidos da América do
Norte. É caracteristicamente uma doença de indivíduos idosos, sendo a idade
mediana de 65 anos, estando a maioria entre 60 e 75 anos. Menos de 3%
apresentam idade abaixo de 40 anos. Há uma discreta preponderância do sexo
masculino em relação ao feminino, variando de 1,1 a 1,5. A incidência é maior
em indivíduos da raça negra, atingindo, em algumas regiões dos Estados Unidos,
mais de duas vezes a incidência na raça branca. Ela também varia de país para
país, sendo menor que 1/100.000 na China e cerca de 4/100.000 na maioria dos
países industrializados.
DIAGNÓSTICO
Os
sintomas mais comuns do mieloma múltiplo são fadiga, dor óssea e infecções
recorrentes Os novos critérios diagnósticos requerem a presença de pelo menos
10% de plasmócitos na medula óssea (ou a biópsia de um tecido com plasmócitos
monoclonais), proteína monoclonal no soro ou na urina e evidência de danos em
órgãos, que compreendem a hipercalcemia, a insuficiência renal, a anemia ou as
lesões ósseas (um conjunto de sinais chamado “CRAB”) Ocasionalmente, pacientes
que não apresentam uma proteína monoclonal detectável, mas fora isso preenchem
os critérios diagnósticos são considerados como tendo mieloma não secretor. No
caso de mieloma oligossecretor e não secretor é útil monitorar a cadeia leve
livre. O diagnóstico diferencial inclui gamopatia monoclonal de significado
indeterminado, mieloma múltiplo “smoldering” (assintomático), amiloidose,
plasmocitoma solitário, linfoma de baixo grau, leucemia linfóide crônica e
carcinoma metastático. A sobrevida mediana após o diagnóstico é de
aproximadamente três anos. Avanços recentes têm identificado novos marcadores
prognósticos, como a deleção do cromossomo 13, a translocação t(4;14) ou
t(4;16), e a densidade aumentada dos microvasos da medula óssea. Outros fatores
prognósticos importantes são o aumento do índice de proliferação dos
plasmócitos, níveis elevados de β2-microglobulina, baixos níveis de albumina,
plasmoblastos na medula óssea e plasmócitos no sangue periférico.
TERAPIA
Para
estabelecer a estratégia terapêutica é importante esclarecer que não são todos
os pacientes que preencherem os critérios mínimos para diagnóstico que serão
tratados. É preciso considerar os sintomas do paciente e os achados físicos e
laboratoriais. Não há nenhuma evidência de que pacientes com diagnóstico de
mieloma múltiplo assintomático (smoldering) tratados ao diagnóstico apresentem
maior sobrevida quando comparados àqueles que receberam tratamento ao iniciarem
os sintomas. O tempo mediano do diagnóstico à progressão para a doença
sintomática é de dois a três anos. Dois estudos recentes sugerem que a
talidomida possa retardar o tempo para a progressão Entretanto, já que alguns
pacientes podem permanecer assintomáticos por vários anos, a terapia para o
mieloma assintomático não é recomendada, dados os efeitos colaterais do tratamento.
As indicações para terapia são o desenvolvimento de anemia significativa,
hipercalcemia ou insuficiência renal, a ocorrência de lesões ósseas líticas e o
achado de plasmocitomas extramedulares. Para iniciar o tratamento devemos
identificar os pacientes elegíveis ao transplante autólogo de medula óssea e os
não elegíveis.
TERAPIA DE INDUÇÃO PARA PACIENTES
NÃO ELEGÍVEIS PARA O TRANSPLANTE
Os
pacientes não elegíveis ao transplante devido à idade, má condição física ou
comorbidades recebem a terapia padrão com agentes alquilantes. Além do esquema
VAD, a dexametasona pode ser utilizada como monoterapia ou a talidomida
associada à dexametasona podem também ser usadas como a terapia inicial para
estes pacientes. O regime oral de melfalano mais prednisona é preferível neste
quadro para minimizar os efeitos tóxicos, a não ser que haja necessidade de uma
resposta rápida, como em pacientes com muitas lesões líticas com dores ou com
declínio da função renal. Apesar das taxas de resposta serem muito melhores com
qualquer um dos esquemas combinados mais agressivos do que com melfalano e
prednisona, nenhum benefício à sobrevida global tem sido demonstrado. Um estudo
randomizado de fase III foi coordenado pelo Eastern Cooperative Oncology Group,
utilizando talidomida/ dexametasona (Tal/Dexa) ou dexametasona (Dexa)
isoladamenteem 207 casos de MM recém-diagnosticados. A taxa de resposta a
Tal/Dexa foi de 63% versus 41% no grupo Dexa (p= 0,0017). Quanto aos efeitos
adversos graus 3 e 4 nos primeiros quatro meses do estudo, Tal/Dexa superou
Dexa (45% versus 21%, p < 0,001)(16) . Recentemente, Palumbo e cols. (2006)
divulgaram os resultados do estudo randomizado envolvendo 331 pacientes com MM
recém-diagnosticados que receberam melfalano/prednisona/talidomida (MPT) ou
melfalano/prednisona (MP). O esquema MPT atingiu taxas de resposta de 76%
(15,5% de resposta completa) versus 47,6% do MP (2,4% de resposta completa). A
sobrevida livre de eventos (SLE) em 2 anos com o MPT foi de 54% e do MP 27%
(p=0,0006). Porém, a sobrevida global em 3 anos com o MPT foi de 80% e com o MP
64% (p = 0,19). A toxicidade graus 3 e 4 no grupo MPT foi significantemente
maior do que no grupo tratado com MP (48% e 25%, respectivamente, p=0,0002). Os
principais efeitos colaterais graves no grupo MPT foram: toxicidade
hematológica (29 pacientes), tromboembolismo (13), infecções (12) e neuropatia
periférica (10). Durante o estudo a introdução de heparina de baixo peso
molecular reduziu o risco de tromboembolismo de 20% para 3% (p=0,005). Mateos e
cols., em estudo fase I/II, avaliaram os resultados associando bortezomibe ao
esquema MP para pacientes acima de 65 anos e demonstraram uma elevada taxa de
resposta, com 89% de resposta global, sendo 43% com remissão completa, destes,
32% com imunofixação negativa e 11% positiva, podendo esta combinação ser uma
boa alternativa para o tratamento de primeira linha destes pacientes.
TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE
CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS
Os
pacientes elegíveis ao transplante autólogo são inicialmente tratados com
esquema que não seja tóxico para as células-tronco hematopoéticas. É melhor
evitar o uso de agentes alquilantes, pois podem prejudicar uma mobilização
adequada das células-tronco. Muitos centros utilizavam a vincristina, a
doxorrubicina e a dexametasona (VAD) por três a quatro meses como terapia de
indução. De fato, o papel da doxorrubicina e da vincristina neste regime é
limitado por que a dexametasona, por si só, contribui com a maior atividade.
Uma alternativa para a indução é o regime oral de talidomida e dexametasona.
Neste esquema, a talidomida (em dose de 200 mg por dia) é ministrada com a
dexametasona (em dose de 40 mg por dia) nos dias 1 a 4, 9 a 12 e 17 a 20
(ciclos ímpares) e nos dias 1 a 4 (ciclos pares), cada ciclo de 28 dias. A taxa
de resposta foi de 63% e nenhum problema importante foi encontrado na coleta ou
enxerto das células-tronco nos pacientes após esta terapia de indução(21,22). A
trombose venosa profunda ocorreu em 12% dos pacientes. Com o aumento das taxas
de resposta demonstrado nos estudos atuais, que incluem drogas como a
talidomida, lenalidomida e bortezomibe no esquema de indução, o esquema VAD
está sendo abandonado. Embora não seja curativo, o transplante autólogo de
células- tronco aumenta a probabilidade de uma resposta completa, prolonga a
sobrevida livre de doença e a sobrevida global é um dos principais avanços na
terapia para o mieloma A taxa de mortalidade é de 1% a 2% e, aproximadamente,
50% dos pacientes podem ser tratados em ambulatório. O fato de uma resposta
completa ser alcançada ou não é um fator preditivo importante. O melfalano (200
mg/m2) é o esquema mais utilizado para o transplante autólogo de células-tronco
e é superior ao regime mais antigo de melfalano (140 mg/m2) combinado com 8 Gy
de irradiação de corpo inteiro. Os dados são limitados sobre a eficácia de
transplante autólogo de células-tronco em pacientes acima de 65 anos de idade e
naqueles com doença renal em fase terminal. Entretanto, o procedimento é viável
nestes pacientes e pode ser utilizado, considerando possíveis riscos e
benefícios. Nestes casos, talvez o ideal seja o uso de uma dose intermediária
de melfalano (100 mg/m2). O papel do transplante autólogo de células-tronco em
pacientes que estão respondendo à terapia de indução tem sido questionado. Em
um estudo espanhol, os pacientes que estavam respondendo à terapia inicial
apresentavam uma sobrevida livre de progressão semelhante, seja com transplante
autólogo de células- tronco, seja com oito ciclos de quimioterapia adicionais,
sugerindo que os pacientes que se beneficiam mais com o transplante autólogo de
células-tronco são aqueles refratários à terapia de indução. Outros três
estudos randomizados demonstraram que o transplante pode ser adiado com
segurança e usado como terapia de resgate a qualquer hora na recidiva. Os
pacientes com mieloma múltiplo podem ser submetidos a um segundo transplante
autólogo de células-tronco após se recuperarem do primeiro (tandem ou duplo
transplante). O duplo transplante foi desenvolvido por Barlogie e cols. para
melhorar as taxas de resposta completa. Em um estudo randomizado francês, a
sobrevida livre de eventos e a sobrevida global foram significantemente melhores
entre os pacientes que receberam o duplo transplante do que entre aqueles que
foram submetidos a um único transplante autólogo de células-tronco (p=0,01).
Por outro lado, dados preliminares de três outros estudos randomizados não
mostraram melhora na sobrevida global dos pacientes que receberam o duplo
transplante. Com base nos resultados do estudo francês, é razoável considerar o
duplo transplante para pacientes que não obtiveram pelo menos uma resposta
parcial muito boa (definida como uma redução de 90% ou mais dos níveis de
proteína monoclonal) com o primeiro transplante. Entretanto, enquanto esta
situação não se define, pode ser vantajoso coletar células-tronco suficientes
para permitir que um paciente se submeta a dois transplantes, reservando um
segundo transplante autólogo de células-tronco para a recidiva. Um dos
problemas do transplante autólogo é que as células-tronco hematopoéticas
infundidas são inevitavelmente contaminadas com células tumorais. Tal
contaminação pode ser reduzida com o uso da seleção de CD34 ou do purging in
vitro das células-tronco coletadas. Entretanto, nenhum efeito na sobrevida
global tem sido observado até hoje, refletindo o fato de que as células
residuais resistentes às drogas na medula óssea são a principal causa da
recorrência da doença.
TRANSPLANTE ALOGÊNICO
As
vantagens do transplante alogênico são um enxerto que não está contaminado com
células tumorais e um efeito de enxerto versus mieloma. Entretanto, somente 5%
a 10% dos pacientes são candidatos ao transplante alogênico por causa da idade,
disponibilidade de um irmão doador HLA compatível, além de função adequada dos
órgãos. Além disso, a alta taxa de mortalidade relacionada ao tratamento tem
tornado o transplante alogênico convencional inaceitável para a maioria dos
pacientes com mieloma. Vários estudos recentes têm utilizado esquemas de
condicionamento não mieloablativos (também chamados de transplantes
“minialogênicos”). O maior benefício tem sido observado em pacientes com doença
recém-diagnosticada que inicialmente são submetidos ao transplante autólogo de
células- tronco para reduzir a carga tumoral e posteriormente, ao
“minitransplante” (não mieloablativo) de células-tronco de um irmão doador HLA
idêntico. A taxa de mortalidade relacionada ao tratamento é de 15% a 20% com
esta estratégia. O risco de doença do enxerto versus hospedeiro aguda e crônica
é alta, embora o aparecimento destes efeitos tóxicos ser necessário para o
controle da doença. Os resultados do estudo francês indicaram que em pacientes
com mieloma de alto risco (pacientes com deleção do cromossomo 13 e altos
níveis de β2- microglobulina), a sobrevida global com esta abordagem não parece
ser superior àquela do duplo transplante autólogo de células-tronco.
TERAPIA DE MANUTENÇÃO
Para
tentar aumentar o tempo de duração da remissão e evitar a recidiva, há muitos
estudos pesquisando várias drogas como tratamento de manutenção, dentre essas o
interferon-alfa, a prednisona, a dexametasona e a talidomida. O benefício da
terapia de manutenção ainda não está claro. Os estudos para avaliar a terapia
de manutenção com interferon- alfa apresentam resultados conflitantes e os
resultados da metanálise demonstraram somente uma modesta melhora na sobrevida
global. Os resultados recentes não demonstraram nenhum benefício aparente do
uso de interferon como terapia de manutenção. Berenson e cols. descreveram que
a manutenção com a prednisona pode ser útil após a quimioterapia convencional.
A sobrevida livre de progressão foi significantemente mais longa com 50 mg de
prednisona oral em dias alternados (por um período de 14 meses) do que com 10
mg (por um período de 5 meses; p=0,003). A sobrevida global foi melhor com a
utilização de uma dose mais alta de prednisona, comparada com a dose mais baixa
(37 meses e 26 meses, respectivamente; p=0,05). Não está claro se estes
resultados podem ser generalizados, uma vez que este estudo comparativo incluiu
somente pacientes cujo mieloma respondia a corticosteróides e que não tinham
sido previamente submetidos ao transplante autólogo de células-tronco. Os
estudos com talidomida na manutenção estão em andamento. Os resultados do
estudo francês (IFM 99-02) mostram um aumento da sobrevida livre de evento e
sobrevida global com o tratamento de manutenção com talidomida e pamidronato,
mas apenas para o subgrupo de pacientes que não obteve remissão completa ou uma
remissão parcial muito boa.
TERAPIA PARA O MIELOMA MÚLTIPLO
RECIDIVADO E REFRATÁRIO
Quase
todos os pacientes com mieloma múltiplo têm um risco de recidiva. Se a recidiva
ocorrer após seis meses do término da terapia convencional, o regime
quimioterápico deverá ser reinstituído. Os pacientes que tiveram as
células-tronco criopreservadas no início do curso da doença podem beneficiar-se
do uso do transplante autólogo de células-tronco como terapia de resgate. Nos
últimos anos grandes avanços foram conseguidos com a utilização da talidomida e
o surgimento de novas drogas, como o bortezomibe.
Talidomida
Os
achados de angiogênese aumentada no mieloma, acrescentados ao reconhecimento
das propriedades antiangiogênicas da talidomida, levaram ao primeiro estudo
clínico com esta droga para o tratamento do mieloma múltiplo na Universidade de
Arkansas, EUA. Neste estudo, a taxa de resposta foi de 25% em pacientes com
doença recidivada e refratária. Desde então, vários estudos têm confirmado a
atividade da talidomida no mieloma recidivado, com taxas de resposta variando
de 25% a 35%. As respostas têm uma duração mediana de aproximadamente 12 meses.
A talidomida tem atividade limitada na doença extramedular. Dada a atividade da
talidomida como um agente único, estudos subseqüentes pesquisaram seu uso em
combinação com outros agentes ativos no tratamento do mieloma recidivado. As
taxas de resposta quando a talidomida foi usada com corticosteróides,
comparadas às taxas da talidomida como monoterapia, aumentaram para 50% e acima
de 70% quando combinada a três drogas: talidomida, dexametasona e um agente
alquilante (ciclofosfamida ou melfalano). A talidomida sozinha ou em combinação
é agora considerada como terapia padrão para o mieloma recidivado e refratário.
Os
efeitos colaterais mais comuns são sedação, fadiga, constipação e exantema e
geralmente respondem à redução da dose. A neuropatia periférica ocorre com o
uso prolongado e freqüentemente necessita a descontinuidade da terapia ou
redução da dose. A incidência de trombose de veia profunda é de apenas 1% a 3%
em pacientes que recebem a talidomida sozinha, mas aumenta para 10% a 15% nos
pacientes que recebem a droga em combinação com a dexametasona e para
aproximadamente 25% nos pacientes que recebem a droga em combinação com outros
agentes quimioterápicos citotóxicos, especialmente a doxorrubicina. Outros
efeitos adversos incluem edema, bradicardia, neutropenia, impotência e
hipotiroidismo. A dose de talidomida geralmente utilizada é de 200 mg por dia,
podendo ser aumentada para 400 mg ao dia, se tolerada. Há pacientes com
resposta a doses mais baixas (50 a 100 mg).
Lenalidomida
Para
superar os efeitos tóxicos não hematológicos da talidomida, incluindo a
teratogenicidade, vários análogos ativos desta droga têm sido desenvolvidos. A
lenalidomida é uma variante amino-substituída da talidomida que pertence à
classe de análogos conhecidos como drogas imunomodulatórias. Sua atividade
pré-clínica é mais potente e mais promissora do que a atividade da talidomida.
A droga induz a apoptose e diminui a ligação das células de mieloma às células
estromais na medula óssea, além de inibir a agiogênese. Nos estudos fase II da
lenalidomida houve uma redução de pelo menos 50% nos níveis de proteína
monoclonal em aproximadamente 30% dos pacientes com mieloma recidivado e a
mielossupressão foi o principal efeito colateral que limitou a dose. Em estudo
fase II multicêntrico, randomizado, a lenalidomida foi administrada na dose de
15 mg duas vezes ao dia ou 30 mg uma vez por dia, por um período de três
semanas, seguido de intervalo de uma semana (ciclo de 28 dias). Em 24% de 83
pacientes que foram avaliados, houve uma redução de pelo menos 50% nos níveis
de proteína monoclonal. Os efeitos adversos mais comuns foram a trombocitopenia
grau 3 ou mais alto, que ocorreu em 18% dos pacientes, e a neutropenia grau 3,
que ocorreu em 28% dos pacientes. A lenalidomida parece ser um agente promissor
para o tratamento do mieloma múltiplo.
Bortezomibe
O
bortezomibe (anteriormente conhecido como PS-341) foi o primeiro inibidor de
proteassoma a entrar em estudos clínicos. Ele é um inibidor específico do
proteassoma 26S, que é responsável pelo catabolismo protéico em todas as
células eucarióticas. Normalmente, as proteínas celulares destinadas ao
catabolismo são primeiramente ubiqüitinadas. As proteínas ubiqüitinadas são
identificadas e degradadas na porção central do proteassoma, um caminho crítico
para os eventos celulares normais acontecerem, incluindo o ciclo celular,
transdução de sinal e regulação transcricional. A inibição deste caminho
acarreta grandes desequilíbrios nos níveis de várias proteínas regulatórias,
levando à parada do ciclo da célula e à apoptose. O efeito terapêutico da
inibição do proteassoma induzido pelo bortezomibe no mieloma é provavelmente um
resultado da citotoxicidade direta e dos efeitos no microambiente da medula
óssea. Uma das conseqüências da inibição do proteassoma é o acúmulo de IκB, um
inibidor do principal fator de transcrição NF-κB. A inibição do NF-κB leva a um
decréscimo na expressão das moléculas de adesão e vários fatores de
crescimento, de sobrevida e angiogênicos. Também diminuem os níveis das
proteínas que inibem a apoptose, Bcl-2 e A1/Bfl-1, impulsionando a liberação do
citocromo-c, a ativação da caspase-9 e a apoptose das células do mieloma.
Entretanto, a inibição da NF-κB provavelmente não seja o único mecanismo
observado com efeito antimieloma (Figura 1).
Figura 1 - Catabolismo protéico em
uma célula eucariótica
Os
efeitos adversos mais comuns do bortezomibe são os sintomas gastrointestinais,
a citopenia, a fadiga e a neuropatia periférica. Uma diminuição das plaquetas
abaixo de 50.000/mm3 ocorre em quase 30% dos pacientes. A neuropatia
periférica, freqüentemente dolorosa, desenvolve-se em aproximadamente 30% dos
pacientes. A dose inicial de bortezomibe recomendada é de 1,3 mg/ m2,
administrado nos dias 1, 4, 8 e 11 de um ciclo de 21 dias As reduções para 1,0
mg/m2 ou, se necessário, para 0,7 mg/m2 podem ser necessárias, dependendo dos
efeitos tóxicos. O primeiro estudo clínico em mieloma, fase I, para testar a
eficácia do bortezomibe foi realizado por Orlowski e cols.. Em estudo fase II
(SUMMIT) foram incluídos 202 pacientes recidivados e refratários e, estes,
receberam, no máximo, oito ciclos de bortezomibe. Dos 193 pacientes que foram
avaliados, 92% tinham recebido três ou mais das principais classes de agentes
para o mieloma e, em 91%, a doença era refratária ao último tratamento. A taxa
de resposta global (remissão completa + remissão parcial + resposta mínima) foi
de 35%, sendo 10% de remissão completa e, destas, 6% com imunofixação negativa,
com uma duração mediana de resposta de 12 meses. O tempo mediano para
progressão foi de 7 meses e a sobrevida mediana foi de 16 meses. Em estudo
randomizado fase III (APEX) foram incluídos 669 pacientes com mieloma múltiplo,
recidivado e refratário, de 93 centros. A sobrevida livre de progressão da
doença foi superior com o uso de bortezomibe (tempo mediano para progressão de
5,7 meses) comparado ao uso de dexametasona (tempo mediano para progressão de
3,6 meses, p<0,001). Embora estes resultados sejam animadores, uma proporção
de pacientes não responde ao bortezomibe e a resistência adquirida já tem sido
observada. Estes fatos, com comprovado sinergismo in vitro do bortezomibe com
outras drogas, justificam a combinação da quimioterapia. Estudos piloto
incluindo pacientes com mieloma recidivado, associando o bortezomibe ao
melfalano ou doxorrubicina lipossomal ou ciclofosfamida e dexametasona,
demonstraram taxas de resposta de 50% a 76%. A associação de bortezomibe e
talidomida também tem sido testada. Em uma série de 56 pacientes com mieloma
múltiplo refratário a taxa de resposta global foi de 70%, com 22% de resposta
completa e próxima de resposta completa, sem aumentar a toxicidade com relação
à neuropatia e à mielossupressão. Outra combinação de talidomida e bortezomibe,
com adriamicina e dexametasona, também tem sido avaliada, com taxa de resposta
completa e parcial de 55% e toxicidade aceitável. As respostas destas
combinações são superiores àquelas obtidas com bortezomibe sozinho, confirmando
o efeito sinérgico encontrado em estudos in vitro. O bortezomibe é altamente
eficaz em plasmocitomas extramedulares. Outro achado interessante é o fato da
resposta não ser influenciada por anormalidades citogenéticas, como foi
demonstrado em alguns estudos.
TRATAMENTO DAS COMPLICAÇÕES
•
Bisfosfonatos: pertencem a uma classe de drogas que inibe a atividade
osteoclástica, diminuindo a reabsorção óssea, reduzindo as complicações ósseas,
além de corrigir com eficácia a hipercalcemia. Alguns estudos pré-clínicos têm
demonstrado atividade antitumoral dos bisfosfonatos. O ácido zoledrônico,
pamidronato e clodronato são os bisfosfonatos que têm sido utilizados em
mieloma múltiplo.
•
Eritropoetina: vários estudos demonstraram que a eritropoetina recombinante
humana melhora ou normaliza a anemia associada ao mieloma na maioria dos
pacientes. Deve ser considerada a sua utilização dentro do esquema terapêutico.
•
Antibioticoterapia: devido à alta freqüência de infecções em pacientes com
mieloma, o uso de antibióticos deve ser imediatamente instituído se houver
suspeita de infecção ativa. O uso de antibióticos profiláticos é controverso.
•
Plasmaférese: indicada em pacientes com síndrome de hiperviscosidade
(sangramento oronasal, borramento visual ou insuficiência cardíaca).
PERSPECTIVAS FUTURAS
Os
estudos randomizados deverão definir o papel dos novos agentes, do
“minitransplante” e da terapia de manutenção. Há uma grande busca de agentes
baseando-se nos avanços obtidos com o conhecimento da biologia do mieloma. Uma
proposta é a de melhorar as taxas de resposta com tratamentos mais intensivos,
com o objetivo de cura. Outra é explorar agentes convencionais e novos,
tentando controlar o mieloma e convertê-lo em uma doença crônica indolente.
Obrigado por todas as informações que nos apresentam. Estão a ajudar muitos.
ResponderExcluirLuiz Felipe-Portugal
Matéria muito completa, parabéns!
ResponderExcluirEXCELENTE ARTIGO, O MAIS COMPLETO E ESCLARECEDOR DE VÁRIOS QUE JÁ LI, OBRIGADA DRA. VANIA POR TUDO QUE REPRESENTA PARA NÓS E P/ A COMUNIDADE CIENTÍFICA.ABRAÇOS.
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