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terça-feira, 28 de agosto de 2012

A relação entre a estrutura de personalidade e o desenvolvimento do câncer.


Intervenções psicológicas realizadas na onco-hematolótica*

1.A ONCO-HEMATOLOGIA



Segundo Alberts (1997), o câncer é formado por células mutantes que adquirem autonomia de crescimento e multiplicação, interrompendo o seu processo de amadurecimento normal. Um tumor será maligno quando suas células tiverem a capacidade de migrar para tecidos vizinhos causando tumores secundários. As neoplasias malignas são divididas entre os tumores sólidos e as neoplasias hematológicas, sendo que o último é tratado pela especialidade da hematologia, mais precisamente a onco-hematologia.

No grupo das doenças oncológicas, onde segundo Ferrari e Herzberg (1997) se encontram as neoplasias hematológicas, estão as leucemias agudas e crônicas, os linfomas e o mieloma múltiplo, dentre outros. Geralmente estas doenças não estão restritas a uma única região do corpo, mas se manifestam em várias áreas do organismo sem respeitar barreiras anatômicas. O sangue, a medula óssea e os gânglios linfáticos, além do baço e do fígado, são órgãos mais freqüentemente envolvidos neste processo. A onco-hematologia é terreno de grande complexidade, e tem sido objeto de estudo e dedicação de diferentes profissionais da área da saúde. Segundo dados da Fundação Oncocentro (2005), dos tumores apresentados em mulheres, 3,8% são do sistema hematopoético (responsável pela produção do sangue), sendo que nos homens, este número aumenta para 4,6%.

    As leucemias são divididas em agudas e crônicas. O grupo das leucemias agudas é dividido em mieloblástica e linfocítica, sendo que essa diferenciação é feita na célula de origem de cada grupo. De forma geral as leucemias agudas apresentam uma evolução muito rápida, sendo necessário o diagnóstico precoce e o tratamento rápido. Apesar de ser um tipo raro de câncer, a leucemia aguda apresenta um elevado índice de morte em pessoas abaixo da idade de 35 anos. A incidência das leucemias é semelhante por todo o mundo, sendo que, dentre as leucemias agudas, a mieloblástica tem ligeira predominância sobre a linfocítica. São mais predominantes nos homens, sendo maior o número de casos nos de raça branca. A idade de acometimento difere enormemente entre dois grupos, sendo a leucemia linfocítica aguda (LLA) muito comum até os 10 anos de idade e a leucemia mielóide aguda (LMA) muito comum na média de 65 anos de idade. O tratamento entre os dois grupos também é muito diferente. Além disso, a leucemia mielóide aguda tem um pior prognóstico que a crônica. As leucemias crônicas também apresentam a forma mielóide e linfocítica. A leucemia linfocítica crônica (LLC) é a mais comum das leucemias. Apesar de todos os avanços nos conhecimentos sobre a doença e na forma de tratamento, atualmente mais avançadas, não houve nenhuma mudança na sobrevida destes pacientes. A leucemia linfocítica crônica apresenta-se habitualmente no paciente com idade acima de 60 anos, motivo pelo qual muitas vezes o tratamento quimioterápico agressivo não é utilizado, atingindo-se assim índices de cura próximos de zero. Outro motivo que leva o tratamento a ser feito de forma paliativa é a característica da doença que, muitas vezes, não requer uma intervenção terapêutica, vivendo o paciente por volta de 20 anos sem maiores problemas. (Sociedade Brasileira de Cancerologia, 2005)

Ainda segundo a Sociedade Brasileira de Cancerologia (2005), os linfomas caracterizam-se pela proliferação anormal das células do tecido linfóide. As doenças de Hodgkin e não-Hodgkin apresentam algumas características clínicas semelhantes, mas divergem na célula de origem, forma de apresentação, tratamento e nos resultados do tratamento. Estão entre as doenças malignas que melhor respondem ao tratamento com radioterapia e quimioterapia. O índice de cura da doença de Hodgkin é em torno de 75% para os pacientes com o tratamento inicial e nos casos de recidiva; já os linfomas não-Hodgkin são curados em menos de 25% dos casos. O número de casos de linfoma não-Hodgkin é aproximadamente cinco vezes maior que o de doença de Hodgkin. Essas duas doenças apresentam um acometimento muito grande de pacientes em idade produtiva (adultos jovens).

Segundo ABRALE (2005), o Mieloma Múltiplo é um câncer da medula óssea, onde há o crescimento descontrolado de células plasmáticas. Embora seja mais comum em pacientes idosos, há cada vez mais jovens contraindo a doença.

Sobre o tratamento do câncer, Yamaguchi (1994) explica que ele pode ser curativo, almejando a eliminação da doença; de suporte, buscando um controle da doença; ou paliativo, visando apenas a diminuição da dor e do sofrimento do paciente. Estes tratamentos abrangem cirurgias, quimioterapias, radioterapias, transplantes de medula óssea (TMO), dentre outros; podem ser empregados isoladamente ou em conjunto, dependendo de cada caso. No caso da onco-hematologia, a quimioterapia, a radioterapia e o TMO são as medidas terapêuticas mais presentes de acordo com a realidade clínica destes pacientes.

A quimioterapia, segundo Ferrari e Herzberg (1997), é um tipo de tratamento baseado na administração de substâncias químicas, que atuam nas células do câncer, principalmente durante sua divisão. A ação destas substâncias se estende por todo o corpo, com exceção do Sistema Nervoso Central. O principal efeito colateral da quimioterapia é a queda de produção de células do sangue (mielodepressão), ocasionando indisposição física e suscetibilidade a infecções, sangramentos, inflamação do trato digestivo (mucosites), além de náuseas, vômitos e queda do cabelo (alopécia). Ainda segundo Ferrari e Herzberg (1997), a Radioterapia, baseada na ação de radiação para o tratamento do câncer, pode ser administrada externamente ou pela colocação da fonte de radiação em seu interior e apresenta ações locais, buscando a destruição das células cancerosas por meio da interferência na estrutura de seu DNA. Normalmente os efeitos colaterais deste tratamento são restritos às áreas irradiadas.

O Transplante de Medula Óssea (TMO), procedimento de grande complexidade médica, traz consigo grande impacto na vida dos pacientes. Tal procedimento tem sido utilizado para tratar uma série de doenças hematológicas, dentre algumas outras, que eram consideradas incuráveis no passado. Ferrari e Herzberg (1997) explicam que o TMO é um tipo de tratamento baseado na administração de altas doses de quimioterápicos (associados ou não à radioterapia), que visam destruir a medula óssea que em seguida será substituída por uma nova medula que é infundida no paciente. Existem alguns tipos de transplante; são eles o Alogênico, o Autólogo ou Autogênico e o Singênico. O primeiro é realizado pela doação de uma medula óssea compatível que é implantada no paciente; no segundo a própria medula do paciente é colhida, tratada e infundida novamente; e o terceiro é o transplante entre irmãos gêmeos idênticos. Estes procedimentos são extremamente complexos e invasivos e suas decisões dependem de diversos fatores como a idade, estágio da doença, condições físicas, doador compatível dentre outras. As decisões não dependem somente do próprio paciente e de sua condição física e emocional, mas também da existência ou não de um doador e de sua disponibilidade para este processo.

    Dadas as intensas demandas físicas e emocionais - indução do regime, imunossupressão, isolamento físico e social, hospitalização prolongada - associadas ao procedimento de TMO, bem como o seu crescente uso, enquanto modalidade terapêutica para uma variedade de doenças malignas e hematológicas, a qualidade de vida (QV) de pacientes submetidos ao TMO tem emergido como uma área crítica de estudo. (Almeida & Loureiro, 2000)

Tal procedimento cria uma nova perspectiva de vida, porém traz consigo muitas dificuldades, resultantes de efeitos colaterais, do risco do tratamento e do sofrimento emocional advindo de uma angústia muito grande vivida nas diferentes etapas deste processo. Segundo Andrrykowski (apud Almeida e Loureiro, 2000), embora o TMO seja uma terapia para salvar vidas, o procedimento por si só está associado com um risco significativo de mortalidade. Os pacientes podem escolher continuar com o tratamento convencional, mas sem perspectiva de cura, ou optam pelo TMO que traz mais risco, mas também maior potencial de cura. Segundo Almeida, Loureira e Voltarelli (1998), pesquisas recentes têm registrado uma diversidade de efeitos psicossociais do TMO, incluindo disfunção sexual, dificuldades nas relações sociais e relacionamento interpessoal, ansiedade, depressão, baixa auto-estima, dificuldade de re-inserção profissional, limitação quanto às atividades recreativas, dificultando, assim, o processo de adaptação do paciente.

2.A PSICO-ONCOLOGIA



Seja pela gravidade da doença ou do tratamento, se trabalha em um contexto onde o índice de óbitos é alto, tornando de grande importância um serviço que forneça respaldo psicológico para o paciente, seus familiares e equipe profissional. Sabe-se que dentro deste contexto, diversos trabalhos têm sido desenvolvidos com a intenção de oferecer atendimento psicológico. Com a descoberta da doença, que acontece na maioria das vezes de forma brusca, o paciente passa por situações diversas. A doença, tratamento e conseqüências adjacentes interferem em diferentes questões e transformam a vida dos pacientes, que não é mais “dono” sozinho de sua rotina, mas está submetido às necessidades do tratamento e da rotina do serviço hospitalar.

Chiattone (1998) coloca que no contexto da doença, além dos efeitos físicos presentes pelo quadro médico, o diagnóstico atinge diretamente a integridade psicológica dos pacientes, tornando-os fragilizados e vulneráveis. Esta situação é geradora de extrema angústia, em geral por dor, culpa, temor à separação dos familiares (em função do isolamento), sofrimento e a eminência da morte, desencadeando reações psíquicas específicas que variam de acordo com os recursos psicológicos internos de cada paciente. Tanto as próprias questões físicas, inerentes as doença e ao tratamento, quanto as questões psíquicas, adjacentes a este quadro, favorecem o surgimento de angústias, questionamentos, reflexões, sofrimentos e até mesmo o surgimento de um quadro com sintomas psicopatológicos que exijam a intervenção psiquiátrica. É exatamente neste terreno, de delicadas sensações, onde se encontra o paciente, normalmente bastante fragilizado em função do diagnóstico, prognóstico ou mesmo em conseqüência de seus tratamentos penosos. A inquietude perante a evolução da doença, a esperança em relação aos tratamentos e à cura, os exames médicos, os momentos de espera face ao que é desconhecido, a hospitalização, os efeitos colaterais, a qualidade de vida, dentre outras diversas questões, faz o dia-dia destes pacientes.

    A intervenção psicológica em uma Unidade de Transplante de Medula Óssea, se adequadamente estruturada, apresenta-se como um recurso que amplia os limites de ação da equipe médica no atendimento das necessidades que surgem em cada momento da trajetória do paciente oncológico: iniciando-se no diagnóstico, percorrendo o tratamento e podendo alcançar as situações posteriores de adaptação do paciente às seqüelas concretas ou subjetivas com que se deparam (Veit et al., 1998).

Para uma reflexão sobre as possibilidades de intervenções psicológicas, é necessária a contextualização das situações vividas pelos pacientes. Kovács (1992) escreveu sobre o homem diante da morte, entendendo que desde o momento do diagnóstico, o paciente passa por diversas etapas, onde pode reagir de diferentes maneiras, de acordo com sua estrutura emocional. No caso de doenças graves, como o câncer, a pessoa tem os planos da própria vida interrompidos, trazendo à tona angústias muito intensas em relação à eminência da morte.

Segundo Carvalho (1997), desde o filósofo Hipócrates há o entendimento de que o que acontecia na mente afetava o corpo. Com o advento da tecnologia baseada no modelo cartesiano de pensamento, foi desenvolvido o modelo dicotômico que influenciou diretamente a ciência, dentre elas a medicina, entendendo a partir daí que para se conhecer o todo, deveria estudar as suas partes. Neste momento perde-se a visão integral do ser humano, dividindo a mente e o corpo, como entidades distintas.

    Já no fim do século passado, em que era clara a influência cartesiana na medicina, Freud, em seus Estudos sobre a Histeria propôs um retorno a uma visão mais integrada do ser. Freud demonstrou que as paralisias histéricas eram destituídas de um substrato neurológico, não restando dúvidas de que seus trabalhos apontavam na direção de uma visão mais integrada do homem, mostrando que acontecimentos da esfera psíquica causavam conseqüências orgânicas. (Carvalho, 1997)

Ainda segundo Carvalho (1997), Franz Alexander, em Chicago, Estados Unidos, criou a medicina psicossomática que assumiu novamente o papel de que a mente tem relação com a saúde física. Alexander fazia relações entre aspectos psicológicos e interações psiconeuroimunológicas. Foi a partir da década de 50 que os trabalhos de orientação psicanalítica começaram a surgir, estudando a relação entre a estrutura de personalidade e o desenvolvimento do câncer. Hoje a medicina não se detém a encontrar causas únicas para as patologias, ela busca, de forma mais abrangente, olhar o ser humano como um ser bio-psico-social.

    O achado de uma causa não nos exime da tarefa de investigar no terreno dos significados inconscientes, do mesmo modo que o achado de um motivo psicologicamente compreensível não nos exime da investigação das causas eficientes através das quais o transtorno se realiza como uma transformação da configuração dos órgãos e suas funções. Em lugar de serem incompatíveis, ambas as interpretações da enfermidade podem ser contempladas como as duas faces de uma mesma moeda. (Chiozza, apud Carvalho, 1997)

A psicologia tem desenvolvido trabalhos nesta área expandindo seu campo de atuação. A psico-oncologia, segundo Gimenes (apud Ferreira, 2002), é uma interface entre a Psicologia e a Oncologia, constituindo um campo de intervenção. Esta especialidade que se desenvolveu dentro da área da saúde busca, dentro de um contexto interdisciplinar, criar serviços de assistências e pesquisas e suas estratégias de intervenção podem ser utilizadas em diferentes níveis, desde a fase da prevenção até o tratamento, as reabilitações ou na fase terminal da doença. Segundo Costa Junior (2001), a psico-oncologia deve ser entendida por nós como um instrumento que viabiliza atividades interdisciplinares no campo da saúde, desde a pesquisa científica básica até os programas de intervenção clínica. Esta especialidade começou a ser sistematizada a partir da percepção de que fatores não orgânicos influenciavam no surgimento, evolução e no resultado do tratamento do câncer. Em função dos avanços da medicina e da descoberta de novos medicamentos houve um aumento do tempo de vida destes pacientes, ampliando a necessidade de acompanhamento psicológico nas diferentes fases da doença.

As intervenções psicológicas, sejam elas dentro do contexto da saúde ou não, são pautadas em referenciais teóricos que norteiam e direcionam as práticas de seus profissionais. A psicologia é uma área bastante ampla e abrangente, e sua prática é baseada fundamentalmente em seu referencial teórico, que com suas particularidades, desenvolve sua prática embasada em sua teoria. As principais abordagens teóricas que encontramos são a psicanalítica, comportamental, fenomenológica, analítica (Junguiana), sistêmica, dentre outras. Nestas abordagens, de forma geral são atendidos: pacientes, familiares, equipe e, em alguns casos, a comunidade. As modalidades de atendimento normalmente são individuais e grupais e a metodologia pode ser analítica, psicoterápica, de apoio ou informativa (orientação).
Fonte: *Excertos de Intervenções psicológicas realizadas na clínica onco-hematolótica: discussão acerca das possibilidades clínicas apresentadas na literatura/[Cláudia Nassralla Homem de Mello; Maria Lúcia Cardoso Martins; Dalton Chamone; Kátia Osternack Pinto; Niraldo de Oliveira Santos; Mara Cristina Souza de Luciant]- Psicologia Hospitalar/ ISSN 1677-7409-Psicol. hosp. (São Paulo) v.5 n.1 São Paulo

3. A humanização do atendimento em onco-hematologia**



Ao adoecer, pacientes oncohematológicos vivenciam intensas transformações. É real a presença de uma situação de crise no que diz respeito a própria vida e suas transformações e sobre a doença que também causa intensas repercussões.

Nessa medida, a doença pode ser vivida, conforme a fase de desenvolvimento, como um momento de 'crise sobreposta a outra crise' pois uma vez doente, o paciente passa a debater-se entre sentimentos ambivalentes, decorrentes do choque de seu mundo de valores e de sua realidade atual, tornando-se psicológicamente frágil, pois defronta-se com uma das questões mais angustiantes da existência humana, intimamente ligada à situação de doença e revelada através dos conflitos entre a vida e a possibilidade de morte.

Acresce-se o fato de que ao ser hospitalizado, o paciente interrompe sua forma habitual de vida, vivenciando uma ruptura em sua história, configurando-se um estado de crise, agravado por algumas características específicas determinadas pela hospitalização que interferem diretamente sobre seu estado emocional: clima de ‘stress’ constante; isolamento frente às figuras que geram segurança e conforto; relação com aparelhos intra e extra corpóreos, clima de morte iminente, perda da noção de tempo e espaço, perda da privacidade e da liberdade; despessoalização, perda da identidade e participação direta ou indireta no sofrimento alheio.

A agravar todo esse estado, do ponto de vista sócio-cultural, a partir da deflagração da doença oncohematológica, o paciente, em geral, é afastado de seu meio, de suas atividades produtivas, de seus familiares e de seu cotidiano. A essas perdas, somam-se aquelas previsíveis à situação de adoecimento e hospitalização: perda do sentimento de invulnerabilidade que compromete sobremaneira o equilíbrio psicológico pelo desencadeamento de intensa angústia de morte; perda da conexão com o mundo habitual, determinando ao paciente uma situação caótica em nível existencial; perda da aptidão e plenitude de raciocínio que determina o fracasso da razão pois a situação em si, de doença e hospitalização, altamente ameaçadora, é intensamente marcada por questões sem respostas (“por que isso aconteceu comigo?”, “quais são minhas verdadeiras chances?”, “conseguirei suportar?”); perda do controle de si mesmo, marcada pelo tratamento, internações, condutas terapêuticas, evolução e intercorrências clínicas a que o paciente deve submeter-se, no verdadeiro sentido da palavra; sensação de abandono, desencadeante de depressão, apatia e reações de hostilidade dirigidas à equipe; temor ao desconhecido, o que pode acarretar fantasias em relação à doença, tratamento e prognóstico; despessoalização ou, segundo GOFFMAN (1990) mortificação (o paciente perde sua posição social e/ou familiar, é despojado de seus pertences, sendo muitas vezes identificado como um número de leito ou pelo nome da doença que possui).

Complementando esses aspectos, é possível enumerar vários fatores biológicos e psicossociais que podem desencadear alterações psicológicas e/ou psiquiátricas em pacientes com doenças oncohematólogicas: frustração na realização de desejos e necessidades, agravamento de conflitos intrapsíquicos, inadequação dos mecanismos de defesa, perda do sentimento de auto-estima, alteração na imagem corporal, ruptura do ciclo sono-vigília, uso de medicamentos coadjuvantes, procedimentos invasivos e isolamento social.

Assim, é amplamente reconhecido na literatura que o diagnóstico e a vivência do tratamento da doença oncohematológica atinge diretamente a integridade psicológica dos pacientes, tornando-os fragilizados e vulneráveis. Essa situação é geradora de intensa angústia, em geral pelo temor à mutilação e dor, culpa, temor à separação, ao sofrimento e à morte, desencadeando reações psíquicas específicas que variam de acordo com os recursos psicológicos de cada paciente.

O transtorno psicológico mais freqüente em pacientes oncohematológicos refere-se ao transtorno de adaptação reativo ao stress imposto pela doença. Os sintomas psicológicos característicos envolvem estados de ansiedade e depressão, acrescidos da persistência excessiva desses sintomas e de interferência anormal no trabalho, em atividades escolares e sociais.

Estados de ansiedade determinados por temores, dúvidas, fantasias e apreensões frente a vivência da doença e tratamento são freqüentes. Apesar de esperados, devem manter-se controlados para que não evoluam para estados de pânico, caracterizados por perda de controle, confusão, desespero, regressão e súplicas. Os transtornos de ansiedade descritos envolvem episódios de ansiedade aguda relacionados ao stress do diagnóstico e de seu tratamento, ansiedade relacionada com a doença e transtornos de ansiedade crônica anteriores ao diagnóstico que exacerbam-se durante a vivência da doença. A ansiedade situacional é freqüente e a maioria dos pacientes mostra-se bastante ansiosa diante da expectativa do diagnóstico ou após o recebimento deste, antes de submeter-se a condutas terapêuticas (aspiração de medula óssea, administração de quimioterapia ou de radioterapia), diante da expectativa de alta hospitalar, frente a sintomas que possam indicar recidiva da doença, etc. Dificuldades diagnósticas, piora do quadro clínico e necessidade de internação em UTI, sangramentos, intercorrências, vivências traumáticas durante o tratamento quimioterápico ou morte de amigos e companheiros de tratamento, com o mesmo diagnóstico, podem também resultar em quadros de ansiedade.

Transtornos depressivos em pacientes oncohematológicos são freqüentes e bem conhecidos, embora assemelhem-se, em porcentagem, à incidência de depressão em pacientes com outras doenças orgânicas graves. Esta relação sugere que o determinante primário para o desencadeamento de um quadro depressivo interliga-se ao nível de gravidade da doença e não somente ao seu diagnóstico específico. De qualquer forma, alguns fatores sugerem estar intimamente vinculados ao desencadeamento de depressão: estado físico agravado, dor, história prévia de depressão e intercorrências orgânicas. Os transtornos depressivos definem-se por reações de desesperança, apatia, isolamento, astenia e impotência frente ao diagnóstico, à evolução da doença e ao próprio tratamento. O diagnóstico de depressão aponta a presença de insônia, anorexia, fadiga, perda de peso e transtornos somáticos. Acrescem-se sentimentos de desamparo, diminuição da autoestima e autoconceito, culpa, retraimento social, intensa angústia de morte, redução do nível de energia, dificuldades de concentração, perda do interesse, dificuldade de iniciar atividades e colaborar no tratamento, lentificação do pensamento, dificuldades em tomar decisões, crises de choro, lentificação dos movimentos.

Reações de ira, hostilidade e sentimentos paranóides também podem ser citados como reações da doença. Em geral, apresentam-se como reações situacionais onde o diagnóstico e a vivência do tratamento são vivenciados como uma injustiça imposta pelo ambiente, desencadeando sentimentos de desconfiança, ressentimento, perseguição e abandono. Sensação de culpa e punição também pode ser descrita. Nela, o paciente sente-se culpado por comportamentos assumidos nas relações de amizade, com familiares, sexualidade, inclinações, etc. O paciente ao acreditar que está sendo punido, vincula a doença a castigo e com a instalação da doença, geralmente apresenta sensação de punição gerada pela fantasia de culpabilidade. Várias outras reações psicológicas podem ser citadas: frustração de sonhos e projetos; privação da realização; regressão; angústia de morte; temor à mutilação; temor à dor; temor ao abandono; insegurança; desconfiança; inconformismo; intolerância emocional; apreensão com a auto-imagem; temor à perda de controle e de identidade; racionalização; agressividade; fantasias e desesperança.

Nesse sentido, a implementação de Programas de Humanização a pacientes com doenças onco-hematológicas é um aspecto fundamental em todo programa terapêutico eficaz e humano, tendo em conta as múltiplas situações difíceis e ameaçadoras que os pacientes atravessam e as várias adaptações inesperadas que se vêm obrigados a enfrentar durante os períodos de diagnóstico, tratamento, remissões e recidivas da doença.

Fonte :**Excertos de Programa de Humanização em Onco-Hematologia –[Heloisa Benevides de Carvalho Chiattone,Regina Célia Rocha,Viviane Cristina Torlai;Maria Aparecida Zanichelli] ABRALE

Leia outros esclarecimentos em Mais Informações, abaixo:






Este artigo visa oferecer uma visão da Psico-oncologia, através de um resumo da história, do campo de ação e dos problemas específicos da área. Os primeiros estudos da ligação corpo e mente no câncer tiveram início na Grécia, mas esta visão foi abandonada até o século XIX quando Freud voltou a mostrar que o psíquico podia ocasionar processos físicos. A Medicina Psicossomática, a Medicina e a Psicologia Comportamental e a Psicologia da Saúde abriram o caminho para a Psico-Oncologia, hoje muito apoiada pela Psiconeuroimunologia. As características específicas dos psico-oncologistas brasileiros, bem como a sua forma de atuação levaram a uma definição baseada na nossa cultura e realidade. E levaram ao desenvolvimento atual deste campo em nosso meio. Os profissionais da área, entretanto, ainda se vêem frente a uma série de desafios, seja internos, no conteúdo da Psico-Oncologia, seja na afirmação de seu campo de trabalho.
Descritores: Psico-oncologia. Câncer.

A Oncologia é, segundo Yamagushi (1994),a ciência que estuda o câncer e como ele se forma, instala-se e progride, bem como as modalidades possíveis de tratamento. O médico que cuida dos aspectos clínicos é chamado oncologista clínico. Além deste, outros profissionais envolvidos no tratamento são o cirurgião oncológico, o radioterapeuta e o psicólogo, que participam de uma equipe multidisciplinar.

A colocação de Yamagushi passa a ser oficial, no tocante a psicólogos na equipe, a partir da publicação da Portaria nº 3.535 do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União, em 14/10/1998. Esta portaria determina a presença obrigatória do psicólogo nos serviços de suporte, como um dos critérios de cadastramento de centros de atendimento em Oncologia junto ao SUS.

Esta participação hoje considerada necessária traz à tona todo um processo de desenvolvimento da área denominada Psico-Oncologia, com seu histórico, suas características e seus desafios.

Breve Histórico
A noção de que o corpo e a mente são partes de um organismo e que a saúde é fruto deste equilíbrio entre as partes do indivíduo e deste com o meio ambiente, já estava presente nos pais da Medicina Ocidental, Hipócrates e Galeno. Este chegou a observar que mulheres deprimidas apresentavam maior incidência de câncer.

Embora na Medicina Oriental o homem sempre tivesse sido visto como uma unidade indivisível, no Ocidente esta unidade desapareceu por um longo tempo. Na Idade Média houve uma separação entre corpo e alma e predominou a noção de que as doenças eram punições divinas, devido à grande influência da religião. No Renascimento, o impacto da proposição de Descartes separando res cogitans (mente) e res estensa (corpo) permitiu um grande avanço científico no estudo das doenças do corpo. Mas permitiu também a visão do homem como um composto de partes separadas. A visão cartesiana deu origem "ao modelo biomédico, o qual propõe que as doenças podem ser explicadas por distúrbios em processos fisiológicos, que surgem a partir de desequilíbrios bioquímicos, infecções bacterianas, viróticas ou outras e independem de processos psicológicos e sociais" (Carvalho, 1998, p. 116).

No final do século XIX a integração mente-corpo foi retomada por Freud, em seus "Estudos sobre Histeria". Ele demonstrou que acontecimentos psíquicos podiam ter conseqüências orgânicas e abriu caminho para que inúmeras pesquisas buscassem as inter-relações entre os aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Esta linha de pensamento e ação deu origem ao modelo biopsicossocial na Medicina, que ganha cada vez mais adeptos, mas ainda encontra resistência na Medicina tradicional.

O trabalho de Freud e as contribuições de Jung propiciaram o desenvolvimento de um campo de estudos, pesquisa e atuação, denominado Medicina Psicossomática. A oficialização desta área ocorreu com a fundação da American Psychosomathic Medicine Association, em 1939. Muitas outras linhas teóricas vieram para contribuir para o fortalecimento do conceito de Psicossomática, passando este termo a significar, na literatura científica atual, a interrelação entre mente e corpo.

Os estudos de Pavlov mostrando a possibilidade da utilização de condicionamentos na modificação de determinados comportamentos e estas modificações podendo ser usadas como forma de tratamento, impulsionaram a criação das áreas denominadas Medicina Comportamental e Psicologia Comportamental. Na década de 70 teve início a publicação da Journal of Behavior Medicine, cuja finalidade era a integração das pesquisas das Ciências Sociais e Biomédicas e sua aplicação nos tratamentos médicos.

Em 1970, a Associação Americana de Psicologia criou a divisão de Psicologia da Saúde e no início dos anos 80 começou a ser publicada a Revista de Psicologia da Saúde. Esta área se propunha a: a) promoção e manutenção da saúde; b) prevenção e tratamento de doenças; c) identificação da etiologia e diagnósticos; d) atuação no sistema de política social da saúde.

Esta oficialização da atuação do psicólogo na saúde veio consolidar um movimento que já ocorria em consultórios e hospitais com o atendimento psicológico de portadores de enfermidades. Tem-se notícia de unidades psiquiátricas e de cuidados com aspectos psicológicos em hospitais gerais desde 1902, quando os médicos começaram a se interessar pelos conceitos da Psicossomática. Em São Paulo, a psicóloga Matilde Neder foi contratada em 1954, para trabalhar no setor infantil da Clínica Ortopédica e Traumatológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Os médicos do setor sentiram necessidade do auxílio psicológico no trato com as crianças operadas e deram início a um processo de contratação de psicólogos, hoje presentes em muitos outros setores desse hospital, bem como em muitos outros hospitais no Brasil.

Mas as equipes formadas por psiquiatras e psicólogos só começaram a ser requisitadas pelos oncologistas a partir da década de 70, inicialmente com o objetivo de auxiliar o médico na dificuldade da informação do diagnóstico de câncer ao paciente e sua família.

Em 1981, a publicação do livro de Robert Adler, denominado Psiconeuroimunologia deu início a uma nova disciplina que congrega a pesquisa científica do complexo campo das interligações entre os sistemas endócrino, imunológico e nervoso. Na sua amplitude maior, a Psiconeuroimunologia visa estudar a interrelação mente-corpo através dos mecanismos pelos quais os sistemas psicológico e fisiológico se comunicam.

A Psico-Oncologia tem, na sua história remota, a contribuição direta de Galeno e, na sua história recente, além das contribuições citadas, todos os desenvolvimentos nos próprios campos da Psiquiatria e da Psicologia. Na medida em que estas áreas foram contribuindo cada vez mais para o conhecimento profundo do ser humano e desenvolvendo diferentes formas de tratamentos, foram se delineando as linhas de trabalho junto ao paciente oncológico.

Por outro lado, o próprio desenvolvimento da Medicina no tocante ao entendimento das enfermidades oncológicas, bem como a descoberta de tratamentos novos, foram modificando, a partir do início do século XX, a visão do câncer como sentença de morte. As primeiras cirurgias, possibilitadas pela descoberta da anestesia, começaram a permitir a retirada de tumores, o que abriu caminho para possibilidades de cura. Novas informações sobre as causas e os processos de câncer e novos tratamentos – radioterapia, quimioterapia, imunoterapia e outros – começaram a modificar o panorama da doença, trazendo esperança de maior sobrevida e cura, em um grande número de casos.

O câncer e a Psico-Oncologia
Câncer ou enfermidades oncológicas são denominações utilizadas para descrever um grupo de doenças que se caracterizam pela anormalidade das células e sua divisão excessiva. Existe uma grande variedade de tipos de câncer. Por exemplo o carcinoma, que surge nos tecidos epiteliais; o sarcoma, que ocorre nas estruturas de tecidos conectivos, como ossos e músculos; a leucemia que se origina na medula óssea e afeta o sangue; o melanoma que é um câncer de pele; e muitos outros (Carvalho, 2000).

Provavelmente, todos os diferentes tipos de câncer não têm uma única causa, mas sim uma etiologia multifatorial (Hugues, 1987). Para que a doença ocorra, parece ser necessária uma operação conjunta de vários fatores tais como, a predisposição genética, a exposição a fatores ambientais de risco, o contágio por determinados vírus, o uso do cigarro, a ingestão de substâncias alimentícias cancerígenas, e muitos outros (Trichopoulos, Li, & Hunter, 1996).

Acredita-se também na possibilidade de contribuições psicológicas no crescimento do câncer. Inúmeros pesquisadores vêm estudando possíveis efeitos de estados emocionais na modificação hormonal e desta na alteração do sistema imunológico (Bovbjerg, 1990). A relação entre o estresse e a depressão com o enfraquecimento do sistema imunológico e esta situação favorecendo o desenvolvimento de formações tumorais foram amplamente analisadas por Le Shan (1992), Simonton, Simonton e Creighton (1987) e pioneiros nos estudos dos aspectos psicológicos envolvidos nos processos de câncer.

Le Shan (1992) e Simonton et al. (1987) começaram também a cuidar dos pacientes, propondo formas de apoio psicossocial e psicoterápico ao doente e seus familiares, todos sob o impacto do diagnóstico de câncer e suas conseqüências. Seus trabalhos mostram a possibilidade de auxílio no encontro de uma melhor forma de enfrentamento do câncer e a obtenção de uma melhor qualidade de vida. E mostram também que, através de novas atitudes, comportamentos mais saudáveis, modificação de valores, em conjunto com o tratamento médico, muitas pessoas modificaram o rumo de suas vidas e chegaram a uma sobrevida maior e mesmo a casos de cura.

Holland (1996), psiquiatra do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center em Nova Iorque, outra importante pioneira na área, começa na década de 70 um serviço de atendimento, pesquisa e treinamento de psiquiatria e psicologia. Seu trabalho buscava responder as seguintes questões:

O que são respostas normais ao câncer? Quais são anormais, refletindo um sofrimento que possa interferir no plano de tratamento? Qual a prevalência de problemas psicológicos que indicam a necessidade de psicoterapia? As reações emocionais afetam o curso da enfermidade negativa ou positivamente? Quais as intervenções e métodos de enfrentamento que podem reduzir o sofrimento? (p. 122)

Através de questionários, Holland buscou medir o funcionamento físico, psicológico, social, sexual e no trabalho, comparando com estes funcionamentos na ausência da doença. E buscou melhorar a qualidade de vida em seu conjunto, em seus pacientes.

Estes, entre outros trabalhos, foram estabelecendo a fundamentação da Psico-Oncologia, que foi definida por Holland (1990) como uma subespecialidade da Oncologia, que procura estudar as duas dimensões psicológicas presentes no diagnóstico do câncer: 1) o impacto do câncer no funcionamento emocional do paciente, sua família e profissionais de saúde envolvidos em seu tratamento; 2) o papel das variáveis psicológicas e comportamentais na incidência e na sobrevivência ao câncer. (p. 11)
A criação da Associação Internacional de Psico-Oncologia, pela própria Holland, veio a oficializar esta definição.
No Brasil, o movimento da Psico-Oncologia tomou vulto a partir da reunião dos profissionais da saúde em eventos voltados para o desenvolvimento da área (Gimenes, Carvalho, & Carvalho, 2000). Havia profissionais oferecendo atendimento psicossocial grupal em instituições particulares e outros ainda, oferecendo apoio e desenvolvendo pesquisas em hospitais particulares, governamentais e universitários.

O primeiro "Encontro Brasileiro de Psico-Oncologia" ocorreu em 1989 em Curitiba, o segundo em Brasília e o terceiro em São Paulo, o qual recebeu a denominação de I Congresso Brasileiro de Psico-Oncologia. Vieram em seguida os Congressos de Salvador e Goiânia. O grande número de profissionais presentes e a seriedade dos trabalhos apresentados demonstraram um grande desenvolvimento deste campo em nosso meio, embora muito ainda esteja por fazer e haja ainda uma grande necessidade de divulgação desta área.

A Comissão Organizadora do Congresso em São Paulo sentiu a necessidade de uma maior divulgação da área e criou um Curso de Extensão em Psico-Oncologia no Instituto Sedes Sapientiae em 1993. Este curso evoluiu para um curso de Especialização em Psico-Oncologia, em 2 anos, no mesmo Instituto, o qual teve início em 1998.

Por ocasião do Congresso de São Paulo, em 1994, foi sentida a necessidade de que se formulasse uma definição brasileira de Psico-Oncologia, compatível com as características da nossa cultura, do nosso sistema de saúde e do desenvolvimento que vinha ocorrendo até então, observado através das apresentações de trabalhos nos encontros anteriores.

Embora a Psico-Oncologia seja uma área de atuação multidisciplinar, em nosso país ela tem sido desenvolvida principalmente por psicólogos. Cerca de 70% da freqüência aos Congressos e a maioria das contribuições a estes tem sido de psicólogos.

Esta realidade levou Gimenes (1994) a formular uma definição que se oficializou também neste ano, com a fundação da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia:

1º) Na assistência ao paciente oncológico, sua família e profissionais de Saúde envolvidos com a prevenção, o tratamento, a reabilitação e a fase terminal da doença;

2º) Na pesquisa e no estudo de variáveis psicológicas e sociais relevantes para a compreensão da incidência, da recuperação e do tempo de sobrevida após o diagnóstico do câncer;

3º) Na organização de serviços oncológicos que visem ao atendimento integral do paciente, enfatizando de modo especial a formação e o aprimoramento dos profissionais da Saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento.(p. 46)

Atualmente sabe-se que cerca de 60% das formas de câncer são preveníveis, o que torna o trabalho de prevenção de especial importância e indica o valor de uma política social de saúde, com atuação comunitária. O trabalho psicológico, seja de apoio, aconselhamento, reabilitação ou psicoterapia individual e grupal, tem facilitado a transmissão do diagnóstico, a aceitação dos tratamentos, o alívio dos efeitos secundários destes, a obtenção de uma melhor qualidade de vida e, no paciente terminal, de uma melhor qualidade de morte e do morrer.

O uso de técnicas de visualização e relaxamento tem-se revelado de grande utilidade, levando a resultados surpreendentes de melhora física, segundo inúmeras pesquisas apresentadas em congressos (Carvalho, 1994). Grupos de atendimento psicossocial, conduzidos com a finalidade de melhorar a qualidade de vida, levaram a resultados de prolongamento de tempo de vida (Spiegel, Bloom, Kraemer, & Gottheil, 1989; Spiegel, Bloom, & Yalom, 1981;). Participantes de grupos de aconselhamento mostraram menos depressão, mais vigor físico, aumento de sistema imunológico e melhores formas de enfrentamento do câncer, comparando com grupos de controle (Fawsy et al., 1990; Fawsy et al., 1993).

Em São Paulo, o atendimento através do Programa Simonton no CORA (Centro Oncológico de Recuperação e Apoio), que vem ocorrendo desde 1987, tem levado a resultados de pesquisas semelhantes aos encontrados em outros países (Carvalho & Nogueira, 1995, 1996). Esta é uma modalidade de atendimento psicossocial a pacientes e familiares, realizada em grupo temático, com duração pré-determinada. Em outras cidades do Brasil, onde este programa vem sendo desenvolvido, também têm sido encontrados resultados muito favoráveis no auxílio à recuperação do paciente oncológico e ao seu bem estar psíquico (Carvalho, 1998b).

A ajuda psicológica às famílias, também sofredores nos seus medos e angústias, no seu despreparo frente à doença, na sobrecarga nas suas funções e tantos outros transtornos, tem sido considerada como essencial, nas pesquisas da área. A boa comunicação entre pacientes e familiares, bem como o apoio que os familiares possam oferecer ao paciente, têm sido considerados de maior importância para os pacientes.

Por sua vez, os profissionais de Saúde que atendem os pacientes oncológicos, responsáveis por tratamentos invasivos, mutiladores, agressivos, que infringem grande sofrimento e nem sempre levam à recuperação e cura, também necessitam ajuda psicológica. Os profissionais de Saúde apresentam, em grande número, um alto nível de estresse.

Desafios
Por todas as etapas do processo de desenvolvimento da Psico-Oncologia, os desafios estiveram presentes. E, em menor escala, continuam presentes até este momento.

A corrente dentro da Medicina que pensa o câncer como uma enfermidade do corpo é ainda muito poderosa e atuante. Os seguidores do modelo biomédico repudiam qualquer tentativa de encontrar interrelações psicossomáticas na origem e no processo de câncer. Contestam esta posição com pesquisas detalhadas sobre mutações genéticas e alterações moleculares. E, se depressão e ansiedade estiverem presentes no quadro clínico do paciente, os psiquiatras seguidores da Psiquiatria Biológica tratam com medicamentos, não valorizando o apoio psicoterápico. Para estes, a Psiquiatria Psicodinâmica não é uma verdadeira Psiquiatria médica (Bettarello, 1998).

Esta divisão entre diferentes posições teóricas tem dificultado uma visão unificada do homem e a integração de tratamentos. E deixa em aberto toda uma série de questões: porque uma determinada célula, em determinado momento, sofre uma mutação que a leva a uma proliferação inadequada e descontrolada? Porque em situações de exposição a elementos químicos altamente cancerígenos algumas pessoas desenvolvem um câncer e outras não? Porque nem todos os fumantes desenvolvem um câncer, sendo o cigarro comprovadamente cancerígeno? Através exatamente de que processos ocorre a interferência do sistema imunológico no câncer? O que explica o efeito placebo? E as remissões espontâneas, conhecidas por todos os médicos? Qual o papel da fé nas curas inexplicáveis? Estas e inúmeras outras perguntas apenas serão respondidas através de uma compreensão mais ampla do ser humano e de como realmente funciona o seu organismo.

O diagnóstico do câncer tem usualmente um efeito devastador. Ele ainda traz a idéia de morte, embora atualmente ocorram muitos casos de cura. Traz o medo de mutilações e desfiguramento, dos tratamentos dolorosos e das muitas perdas provocadas pela doença. Esta situação de sofrimento conduz a uma problemática psíquica com características específicas. Os processos emocionais desencadeados nestes pacientes exigem um profissional especializado, o que leva à especificidade da Pisico-Oncologia e a diferencia da Psicologia Hospitalar.

Um levantamento feito por mim dos termos usados nos artigos de revistas de Psico-Oncologia e nos trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais, revela o seguinte quadro:

Problemática intrapsíquica – ansiedade, depressão, medo, raiva, revolta, insegurança, perdas, desespero, mudanças de humor e esperança.

Problemática social – isolamento, estigma, mudança de papéis, perda de controle, perda de autonomia.

Problemática relacionada ao câncer – processo da doença, mutilações, tratamentos, dor, efeitos colaterais, relação problemática com o médico.

Em maior ou menor número, em diferentes momentos do processo da enfermidade, o paciente apresenta um ou vários destes aspectos. E todos eles evidenciam a importância do apoio psicológico. Os profissionais que atuam na Psico-Oncologia são seguidores de várias linhas teóricas – psicanálise, análise, gestáltica, cognitiva, comportamental – tendo como ponto de união o atendimento aos aspectos citados. Ou seja, o ponto de união desta área é o paciente de câncer. Suas dificuldades, necessidades, problemas precisam ser atendidos, seja facilitando um melhor enfrentamento da doença e permitindo uma convivência melhor com ela, seja melhorando o estado psicológico e este levando a um melhor estado geral orgânico, auxiliando na recuperação e na cura, se possível. A variedade de origens teóricas tem trazido também alguns conflitos na forma da condução do processo psicoterápico. Por exemplo, deve-se focalizar o câncer e suas conseqüências, em uma terapia breve focal, ou buscar nas origens da personalidade do paciente, explicações para o próprio desenvolvimento do câncer?

Esta pergunta nos remete a um outro desafio – existe uma personalidade típica do paciente oncológico? Segundo Carvalho (1994), "a respeito da influência de estrutura da personalidade no surgimento e no desenvolvimento do câncer, os dados encontrados na literatura são abundantes e muitas vezes contraditórios" (p. 65). Este pesquisador fez um levantamento bibliográfico (Le Shan, 1997; LucDougall, 1991; Marty, 1993; Temoshok, 1992; e outros) e concluiu que, se existirem personalidades predisponentes ao câncer, este fato indica a possibilidade de um trabalho psicoterápico importante de prevenção.

Seriam pessoas pertencentes ao grupo de maior possibilidade de adoecer de câncer, aquelas consideradas do tipo C, denominação criada por Temoshok. Diferentemente daquelas do tipo A (que teriam tendências a doenças cardíacas), as do tipo C não têm crises de raiva, parecem relaxadas, não são competitivas. Mas sob essa superfície calma, haveria uma grande dificuldade de auto-afirmação, raiva não expressa, ansiedade e sentimentos reprimidos e uma profunda desesperança. E as histórias de vida de muitos pacientes pesquisados revelaram infâncias marcadas por negligência, abandono e isolamento, com fortes sentimentos de perdas. Entretanto, nem todas as pessoas com histórias de vida e as características citadas acima desenvolvem um câncer. E nem todos os pacientes apresentam o mesmo histórico e personalidade. Estamos lidando com maiorias obtidas através de estatísticas, sabendo que as conclusões não se referem a todos os casos. E não temos um conhecimento da conecção dos processos psicológicos mais profundos e o processo da doença.

O prognóstico do câncer é um dos pontos mais críticos e desafiadores para os oncologistas. Os prognósticos também são estabelecidos através de estatísticas referentes àquele tipo de câncer, naquele órgão e naquele grau de estadiamento. O que o médico pode saber de cada caso é a porcentagem de tempo de sobrevida ou de mortalidade. Como explicar, entretanto, o que ocorre com os 5% que não vem a falecer, em uma porcentagem de probabilidade de morte? Ou, como entender que o mesmo diagnóstico e o mesmo prognóstico podem levar a processos com encaminhamentos muito diferentes? São conhecidos casos com prognósticos de pouco tempo de vida e que alcançaram uma sobrevida longa e que chegaram a se curar.

O trabalho psicoterápico de Simonton (1987) teve início a partir desta constatação. Médico radiologista, no contato com pacientes sobreviventes, começou a perguntar como eles entendiam o fato de terem sobrevivido além das expectativas médicas. E as respostas eram muito semelhantes: eles tinham uma motivação para viver. Por exemplo, a espera do casamento da filha, ou da sua própria formatura em uma Faculdade ou o desejo de melhorar a situação financeira para deixar a mulher amparada.

Todas estas dificuldades de previsão do processo oncológico têm levado os médicos mais cuidadosos a apenas prognosticarem a porcentagem de possibilidade de metástases e de volta da doença. Têm levado também a estudos de casos de remissão espontânea (Weil, 1995) e ao crescimento de pesquisas que buscam conhecer o papel dos fatores psicológicos envolvidos.

Sem dúvida, ficam claras as lacunas do conhecimento do que realmente ocorre, na sua amplitude, nos processos oncológicos. Não sabemos quais são todos os fatores desencadeantes do processo cancerígeno e quais os fatores curativos. Os mesmos tratamentos não surtem os mesmos efeitos em pacientes com os mesmos diagnósticos e prognósticos, atravessando a mesma fase da doença.

Existe ainda um desafio do trabalho em uma equipe multidisciplinar. O trabalho do psicólogo muitas vezes não é reconhecido pelos médicos, bem como pode contrariar orientações dadas por estes, quando aos aspectos psicológicos dos casos em atendimento. Outras vezes são os enfermeiros que se sentem invadidos ou criticados na sua atuação, pelos psicólogos. A chegada da Psico-Oncologia no hospital é recente e sua função ainda é freqüentemente desconhecida ou distorcida. Mas já existem situações em Hospitais onde o psicólogo não é só é muito valorizado como também é requisitado pelos médicos e pela enfermagem em seu próprio auxílio, quando em momentos de dificuldades pessoais.

Todos estes e muitos outros desafios continuam estimulando a equipe multidisciplinar a encontrar as chaves da compreensão do processo complexo e de múltiplas causas das doenças cancerígenas.

Siegel (1997), em um artigo denominado "O que os médicos devem saber", fala da importância de perguntar ao paciente o que ele está sentindo e ouvir a resposta. E se o paciente melhorar acima do esperado, aprender com a resposta. Fala também que a parte biofísica e a psíquica são uma só entidade – são integradas e compartilham informações para a sua sobrevivência através dos neuropeptídeos. E que as doenças que ameaçam a vida são necessariamente transformadoras.

As palavras de Siegel fornecem um ponto de apoio para as reflexões de todos aqueles que trabalham com o paciente de câncer. É essencial compreender e dar suporte a essas transformações, bem como ouvir e aprender com o paciente, tendo sempre em mente que estamos cuidando de um ser humano e não apenas da enfermidade que ele traz.
[Autora: Maria Margarida Carvalho]
Instituto de Psicologia-Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202/Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira

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